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A bomba-relógio da BP

30 de julho de 2010
sugado do nassif
Enviado por luisnassif, sex, 30/07/2010 – 09:35

O que começou como uma crise financeira em Setembro de 2008, com a irrevogável falência do banco Lehman-Brothers, pode agora entrar na próxima ronda com a previsível queda da BP. A transnacional britânica é uma bomba financeira de relógio, não só para a Grã-Bretanha mas para todo o Reino Unido. Os custos do desastre petrolífero no Golfo do México estimam-se em 70 mil milhões de dólares.

Para os britânicos, a BP é como instituição nacional, a maior sociedade anónima do país, a blue chip mais brilhante do mercado de valores londrino. Muitas pessoas julgam que a BP é uma empresa petrolífera. E é verdade. A BP fornece petróleo, tem oleodutos e refinarias um pouco espalhados por todo o mundo. Mas a BP é, simultaneamente, um banco com um raio de acção internacional que, tal como a Enron ou a General Motors, actua nos mercados financeiros internacionais.

De AA a BBB

Como, oficialmente, não é uma entidade financeira, a British Petroleum esta a meio caminho de ser um negócio OTC ou fora do mercado organizado de valores, isto é, que actua fora das bolsas, num negócio sem regulação nem controlo. O refinanciamento é através da titularização de derivados creditícios de alto risco, CSOs [obrigações colaterais sintéticas, na sua sigla inglesa], a que não corresponde qualquer valor patrimonial, mas apenas derivados creditícios. São um próspero comércio esses derivados financeiros. A BP é detentora ou tem participações em pelo menos 18% dos papéis deste tipo que circulam por todo o mundo. Recordamos que a crise financeira mundial foi desencadeada pela queda em cadeia de derivados titularizados: as CDOs [obrigações de dívida colateral, na sua sigla inglesa] e os CDS [derivados creditícios de dívida, na sua sigla inglesa]. Agora, os riscos nas CSOs são muito maiores e o alavancamento creditício de maior envergadura e as regulações são desconhecidas.

Por outras palavras: Quando a BP quebrar, a sua falência terá consequências globais. Como supostamente sucedeu no caso Lehman-Brothers, ninguém sabe até que ponto a BP está endividada, nem quem nem em que jogos de azar estão envolvidos os créditos da BP. Mas, como a transnacional é considerada a pérola da coroa da indústria financeira britânica, com fundamento se pode suspeitar que estão aqui metidos todos os que gozam de reputação e hierarquia no mundo financeiro internacional. Não há dúvidas: a próxima bolha está prestes a rebentar. É só uma questão de tempo. Mais provável dentro de semanas que de meses.

O valor patrimonial das instalações da British Petroleum atinge agora o montante de 240 mil milhões de dólares. Muitos dos seus campos petrolíferos e participações estão à venda por todo o mundo. Desde finais de Abril, perdeu metade do seu valor em bolsa. Deverá entrar um investidor estratégico, provavelmente um fundo estratégico árabe. Os líbios querem ser uma opção mas ninguém se abalança a tamanho risco. E os meros boatos de uma entrada de mil milionários árabes não convencem as agências de qualificação do risco.

A Fitch, a mais pequena das três grandes, baixou drasticamente no passado dia 15 de Junho a qualificação do gigante petrolífero, pela segunda vez em duas semanas: e desta vez nada menos do que seis escalões de uma vezada, de AA para BBB. Se as duas grandes – a Moody’s e a Standard & Poor’s – a seguirem, os empréstimos da BP baixarão à categoria de lixo, como os títulos da dívida pública grega. De qualquer modo, grandes investidores destas agências, como Warren Buffet, colocaram milhares de milhões em acções e obrigações da BP, o que explica a moderação da Moody’s e da Standard & Poor’s.

Nada de OPAs hostis

Entretanto, a BP teve que ceder à pressão do governo dos EUA e sujeitar-se a um fundo de garantias num montante de 20 mil milhões de dólares. Pelo menos até ao próximo ano a BP não poderá continuar a pagar dividendos, terá que seguir uma política de poupança férrea e eliminar milhares de postos de trabalho, os primeiros 5.000 já em 2010. Há fortes indícios que levam à suspeita que a explosão do passado dia 20 de Abril no Golfo do México assenta numa implacável política de redução de custos. A segurança e o cuidado, como é sobejamente sabido, custam tempo e dinheiro. Quem louva o capitalismo pela sua eficiência não sabe do que fala. Ou se sabe, dá a entender aquilo em que não acredita.

A questão é que Londres prepara-se para o pior. Debaixo de um clamoroso silêncio acompanhado de rotundos desmentidos, trabalha-se em planos de emergência. A queda descontrolada ou uma tomada de controlo da BP seria uma catástrofe para os britânicos. As acções da BP têm fama em todo o mundo de investimentos seguros e lucrativos. A BP pagava regularmente, trimestre a trimestre, chorudos dividendos.

Os fundos de pensões, os maiores investidores institucionais nos mercados financeiros internacionais, compravam e mantinha enormes quantidades de acções da BP. E no sistema britânico de reformas os fundos de pensões jogam um papel chave. Só que, precisamente os rendimentos de reforma cobertas por capital são tudo menos seguros. Quando rebentou a bolha imobiliária estadunidense em 2008, muitos fundos de pensões resultaram em prejuízos dos depositantes e pensionistas. Para os fundos de investimento britânicos que há alguns anos investiam em acções da BP, a catástrofe petrolífera é ao mesmo tempo um desastre financeiro. Cerca de um sexto de todos os dividendos que se pagam no Reino Unido vêm da BP! Assim, os fundos perderam de três formas: patrimonialmente pela queda livre das acções da BP, pelos dividendos evaporados, e pela diminuída capacidade de crédito.

Os fundos de pensões perderam já muito dinheiro com as acções dos bancos e, agora, cai-lhes em cima a situação da BP. Se se calcularem as possíveis perdas tendo por base uma pensão média entre 12 mil e 13 mil libras esterlinas anuais, falamos de 800 a 1.000 libras esterlinas por ano. Daí, o governo do primeiro-ministro Cameron não ter escolha. Se a BP ajoelha, terá que intervir com um novo pacote milionário de resgate. Se foi necessário para os grandes bancos, não será menos necessário para a BP. Isso significa mais dívida pública e ainda mais desproporcionados pacotes de poupança.

A BP não pode desaparecer, pois ela é, de longe, um dos maiores contribuintes fiscais da Ilha e controla uma boa parte das infra-estruturas vitais do reino insular, como a Forties Pipeline System que liga mais de 50 campos petrolíferos no Mar do Norte, ou o oleoduto Baku-Tiblisi-Ceihan, que possibilita o trânsito de petróleo do Cáucaso para a Europa ocidental. Por isso, David Cameron anuncia que o seu governo fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir o controlo da BP por empresas petrolíferas chinesas, árabes ou russas. Se a BP cai nas mãos das gigantes norte-americanas, acabaram-se as considerações para com os fundos de pensões ou para quaisquer outras necessidades britânicas. Dentro de poucos dias a BP tem que liquidar os pagamentos que se vencem no segundo trimestre de 2010. O seu montante é enorme.

Este caso ilustra com clareza como dois elementos tão centrais como obsoletos do capitalismo – uma economia baseada na energia fóssil e na especulação financeira planetária – nos aproximam do abismo da próxima catástrofe.


Michael R. Krätke é Professor de Economia Política e Director do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido.

As dúvidas no câmbio

30 de julho de 2010

sugado do  luisnassif, qui, 29/07/2010 – 09:28

Do editorial do Estadão

Surpresas no câmbio

Uma nova mudança de humor no mercado de câmbio fez o dólar oscilar na quarta-feira, depois de um breve movimento de alta no dia anterior. Dois assuntos haviam dominado as especulações na terça-feira: o aparente aperto de vários bancos – com posições vendidas de cerca de US$ 13 bilhões no mercado à vista e de US$ 8,5 bilhões no mercado futuro – e a possível intervenção do Banco Central (BC) para conter a valorização do real. A expectativa de intervenção havia sido reforçada por uma entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Comentando a situação das contas externas, ele havia defendido o retorno do BC ao mercado futuro para corrigir distorções.

O BC havia sondado operadores do mercado sobre a hipótese de uma nova oferta de “swap reverso”, operação equivalente a uma compra de dólares no mercado futuro. A consulta foi feita a partir da observação de um fato aparentemente estranho: o real tem-se valorizado continuamente, apesar da piora das contas externas e das projeções de maior desequilíbrio nas transações com o exterior.

O superávit comercial tem diminuído e o déficit em conta corrente, em rápido crescimento, chegou a US$ 40,9 bilhões nos 12 meses terminados em junho. O resultado negativo do primeiro semestre, US$ 23,7 bilhões, quase igualou o de todo o ano passado, US$ 24,3 bilhões. Até o fim do ano, segundo as estimativas correntes, o déficit deverá ficar próximo de US$ 48 bilhões.

Dois detalhes merecem atenção especial: 1) as multinacionais têm aumentando a remessa de lucros e dividendos para as matrizes; e 2) o investimento direto será insuficiente para cobrir o buraco das transações correntes.

Mesmo diante desses números e das previsões nada alentadoras, muitas instituições financeiras continuaram apostando na valorização do real e assumiram posições vendidas em dólares. Na terça-feira, falava-se claramente no mercado sobre o risco de sérios problemas à frente. Os bancos vendidos, segundo a avaliação de analistas e de operadores do mercado, haviam entrado numa armadilha cambial. Haviam feito uma aposta errada, como haviam feito várias empresas grandes em 2008, antes do agravamento da crise global.

Aparentemente, os bancos assumiram posições vendidas com base na expectativa de ingresso de grandes volumes de dólares. Levou-se em conta nessa previsão, entre outros fatores, a necessidade de recursos enormes da Petrobrás. A empresa precisará investir muitas centenas de bilhões de dólares para converter o pré-sal em zona produtora de petróleo e gás e boa parte desse dinheiro virá provavelmente do exterior, sob a forma de capital de risco e também como financiamento. Mas a capitalização poderá não sair tão cedo. Há quem aponte também outra explicação para a aposta dos bancos: ao comprar dólares nos últimos meses, o BC teria estimulado as posições vendidas, para manter o real valorizado e facilitar o combate à inflação. De fato, as compras líquidas do BC totalizaram US$ 14,7 bilhões.

Seja qual for a explicação, os bancos menosprezaram a piora da conta corrente do balanço de pagamentos e parecem ter dado pouca atenção ao próprio fluxo cambial. Até 23 de julho, o fluxo líquido acumulado no ano era positivo em apenas US$ 1,06 bilhão. Só no mês de julho, até aquele dia, o relatório do BC apontou um resultado negativo de US$ 1,55 bilhão.

O cenário só mudou ligeiramente nos últimos dias e a perspectiva de maiores ingressos foi reforçada na quarta-feira com notícias de duas grandes entradas nesta semana, uma de US$ 700 milhões, outra de US$ 350 milhões.

Essas notícias bastaram, segundo informantes do mercado, para mudar o humor e diminuir as preocupações com os bancos envolvidos em grandes vendas de dólares a descoberto. Novas entradas poderão facilitar a compra a cotações baixas, permitindo uma redução do risco assumido pelas instituições, se essa correção for julgada necessária.

Será preciso observar o movimento cambial durante mais tempo para uma avaliação mais segura das perspectivas e da necessidade eventual de intervenção do BC. É muito cedo para dizer se o ingresso de dólares iniciado nos últimos dias será o começo de uma nova tendência.

Sexismo emburrece e mata

27 de julho de 2010
sugado do viomundo do blog da mulher
http://www.viomundo.com.br/blog-da-mulher
23 de julho de 2010 às 23:17

Por: Conceição Oliveira, no twitter: @maria_fro

Show de horrores

Há três semanas tento digerir um verdadeiro show de horrores noticiado. Os detalhes sórdidos de mais um feminicídioanunciado, o de Eliza Samúdio, tomou a mídia grande, a blogosfera e até os sites pornôs. O principal suspeito é Bruno, ex-goleiro do Flamengo e possível pai do filho da vítima, que ao que tudo indica foi seqüestrada, torturada, morta e teve partes de seu corpo dadas aos cães. A barbárie se esmerou nos textos jornalísticos e nos comentários que voltaremos a discutir ao longo deste longo texto. Tomem fôlego.

Houve também o caso de estupro de uma adolescente, praticado por mais três adolescentes em Santa Catarina. O crime primeiramente foi denunciado por um blog local, o Tijoladas, e com bastante atraso chegou à grande mídia. O estupro ocorreu na casa de um dos adolescentes agressores que é membro da família de um dos principais donos da RBS (a maior empresa de mídia do Sul do país). O outro é filho de um delegado. Segundo relatos no referido blog, com requintes exibicionistas um dos adolescentes estupradores postou em redes sociais mensagens informando que estuprou a menina. Ao ser questionado se não tinha medo de ser punido, respondeu com desdém: ‘Tá de zoeira?’.

Nesse caso, que chegou a TV Record por Paulo Henrique Amorim, que se comprometeu a acompanhar de perto o desenrolar do processo,  tivemos o desprazer de ouvir mais um depoimento cínico. No Domingo Espetacular, o delegado da polícia civil que investigava o caso disse que – em relação à adolescente que teve até um controle remoto introduzido em sua vagina – é possível afirmar que houve ‘relação carnal’, mas que não poderia falar em estupro na medida em que ele não estava presente. O delegado ainda insinua que o estupro de uma menina de 13 anos, realizado por três adolescentes violentos e protegidos pelos pais, teria sido na verdade uma relação sexual de comum acordo entre a vítima e os agressores.

Segundo relatos, a mãe do garoto da RBS, após saber o que tinha acontecido, maquiou as escoriações do pescoço da garota (que estava sob efeitos de álcool e possivelmente outras drogas), ligou para os pais da menina para que viessem buscá-la e deu a entender que ela estava em uma ‘festinha’. O comentário do delegado catarinense é da mesma categoria do de Demóstenes Torres (DEM) que, na luta contra as cotas no Senado, afirmou que senhores escravocratas mantinham com mulheres escravizadas relações consensuais.

Uma semana depois das declarações na tevê, o delegado foi exonerado do cargo e o presidente da Associação dos Delegados de Santa Catarina lamentava o fato. Eu lamento o nível desses delegados.

A misoginia e o sexismo andaram soltos também na verve de cartunista, ‘jornalista’ e ex-presidente. Nani, cartunista da velha guarda do Pasquim, jornal de resistência à ditadura militar, retratou a coligação do PT com o PMDB como prática de prostituição. Desenhou a candidata Dilma Rousseff rodando bolsinha na esquina e pôs na boca dela expressões de prostituta. Curioso que a coligação do PSDB com o DEM não mereceu o mesmo tratamento. Josias de Souza, blogueiro da Folha/UOL, que já havia associado Dilma e Marta Suplicy aos termos ‘vadias’ e ‘vagabundas’, expõe a charge no seu blog, acrescida do título que Nani não deu originalmente: “Candidata de programa!” Nani havia dado o seguinte título: “Programa de Dilma depende dos partidos”. Ambos são lamentáveis, mas Josias se esmerou na detratação.

O que todos esses casos têm em comum? Todos eles estão permeados de sexismo, todos são resultados de como nós mulheres somos vistas numa sociedade que ainda mantém fortes traços de patriarcalismo.

Da Esquerda à Direita os ‘companheiros’ se esmeram no sexismo

Há exemplos a perder de vista de uma linguagem e comportamento chauvinista em nossa sociedade. Para não cansar os leitores com muitos exemplos, recordo apenas alguns casos.

Em março de 2010, para atacar FHC, Ciro Gomes disse que o ex-presidente tinha uma ‘inveja feminil’ de Lula. Não bastou a Ciro qualificar o ex-presidente como uma pessoa invejosa, ciumenta. Para tornar mais ácido seu ataque ao adversário político, ele associou o sentimento de inveja ao sexo feminino. Fez uso de uma idéia fortemente presente no senso comum de que as mulheres são seres ‘invejosos por natureza’. Desse modo, reforçou o preconceito e atingiu o seu objetivo de desqualificar o adversário, não apenas no campo político, mas também no universo dos machos que dominam o campo da política institucional do Brasil.

Fernando Henrique Cardoso e seus aliados de partido não deixam por menos. É recorrente no discurso do demotucanato que Dilma é ‘sombra’, ‘boneco’, ‘retrovisor’, ‘poste’ de Lula. Enfim, em vários textos e discursos, antes mesmo da largada para a campanha eleitoral, pululam termos que buscam desqualificar a mulher e a política Dilma Rousseff como uma candidata sem méritos próprios.

Em fevereiro de 2010, FHC, em artigo publicado na imprensa nacional, disse que “eleições não se ganham com o retrovisor“, comparando Dilma a um ‘boneco manipulado’ pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele mesmo mês, na tribuna do Senado Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse que a petista “é uma liderança falsa, de plástico, de silicone”.

FHC esqueceu a elegância da Sorbonne e até da sociologia de que tanto se orgulha e novamente focou a imagem feminina de Dilma com veios de ironia:

a encenação para a eleição de outubro já está pronta. Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica, dirá tudo o que se espera que ela diga, especialmente o que o mercado e os parceiros internacionais querem ouvir”.

O ex-presidente, que nem o PSDB sabe o que fazer com ele, pinta Dilma como uma mulher fútil, que é só aparência, vazia de conteúdo, não é um sujeito histórico, não pensa por si, é facilmente manipulada, mas não pára por aí. Sua misoginia usa também da ironia em relação à idade de Dilma. A candidata do PT é uma mulher que brevemente será avó e, mesmo assim, sua figura é comparada à imagem de uma ‘princesinha’. Os mais ogros, sem os subterfúgios do discurso fhceniano, usam outros termos para se referir às mulheres maduras na política. Eduardo Guimarães fez um texto interessante chamando atenção sobre isso. Quanto ao ‘nórdica’ nem precisamos dizer que seu uso também é proposital: uma forma de destacar a origem étnica e social de Dilma — uma mulher branca, bem educada. O recurso de FHC, aqui, é negativar e descolar a origem social da candidata do PT em contraponto com as origens populares de Lula, na medida em que todo o preconceito social repetido e reproduzido contra Lula, o ‘analfabeto’ não surte mais efeito na maioria da população, diante de um presidente que bateu todos os recordes de popularidade na história do Brasil e que ganhou a projeção e respeito internacional das quais FHC jamais se aproximou.

Marcos Coimbra ao analisar aquele texto de FHC problematiza: se o adversário político dos tucanos na disputa eleitoral pela presidência da República fosse um homem, FHC certamente não se preocuparia com a aparência. Concordo com ele, não vejo na fala das poucas mulheres presentes na política institucional o uso de atributos físicos ou ausência deles para desqualificar seus adversários.  Exemplos como o de Soninha Francine, que desenvolveu um ódio visceral de Marta, são mais raros. As mulheres que ocupam cargos públicos costumam não destratar as demais, desqualificando-se mutuamente, reforçando preconceitos de gênero. Isso me parece ser prática comum aos políticos do sexo masculino.  É saudável, para toda sociedade brasileira, termos candidatas disputando o pleito de 2010 e com condições de vitória.

E quanto ao Nani? O cartunista, após a publicação da charge sexista, chegou a se defender das críticas dos comentaristas de esquerda, lembrando que já tinha retratado Serra e FHC como ‘prostitutas’. A fixação de Nani pelo tema da prostituição como algo condenável e a associação recorrente que o cartunista faz da prostituição à prática política não podem ser usadas como desculpas para falta de humor travestido de preconceito.

Alguns amigos jornalistas de esquerda também demonstraram surpresa com o fato de um cartunista do ex-Pasquim ter sido tão apelativo e preconceituoso. Não me surpreendi. Convivo com muitos amigos de esquerda que têm grande dificuldade de entender o mundo para além da luta de classes. Muitos deles de fato se esforçam cotidianamente para vencer sua cultura machista. Já conseguem enxergar que a dominação masculina sobre as mulheres é estrutural, conseguem perceber a necessidade de se respeitar a construção de outras identidades. Mas abolir de nossas vidas preconceitos é um exercício cotidiano que nem todos estão dispostos.

A turma do Pasquim fez uso do humor, da ironia e irreverência para resistir à ditadura militar, mas seus cartunistas e editores foram bastantes conservadores em relação à emancipação feminina e se opuseram firmemente a toda e qualquer luta das mulheres nesta direção. Às denuncias das feministas brasileiras sobre o caráter estrutural da dominação, expresso nas relações da vida cotidiana, o Pasquim respondia com sarcasmos e zombarias. Como mostra o excelente artigo de Rachel Soihet, “Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários”, o jornal que lutava contra o regime de exceção:

“(…) voltou-se, igualmente, contra as mulheres que lutavam por direitos ou que assumiam atitudes consideradas inadequadas ao modelo tradicional de feminilidade e às relações estabelecidas entre os gêneros. Ridicularizavam as militantes, utilizando-se dos rótulos de ‘masculinizadas feias, despeitadas’, quando não de ‘depravadas, promíscuas’, no que conseguiam tais articulistas grande repercussão. Depreende-se dessa conduta o temor da perda do predomínio masculino nas relações de poder entre os gêneros, no que evidenciavam forte conservadorismo, contrastante com a atitude vista como libertária de alguns desses elementos em outras situações.”

Geni insepulta: pré-julgada pelo currículo sexual, viva ou morta

Como disse, passei essas últimas semanas com o estômago embrulhado diante das notícias em portais, blogs, e sites pornôs (sim, fiz questão de visitá-los para ver até onde ia a barbárie sexista). Mas não vou me ater a espetacularização irresponsável da polícia e da imprensa, que anda facilitando a vida da defesa do ex-goleiro Bruno, sendo ou não ele culpado pela morte de sua ex-namorada. A este respeito indico dois bons textos.

O primeiro é do procurador da República, o professor Vladimir Aras, especialista em Direito Criminal, (aqui) que nos lembra que há muita tecnologia para ser usada nas investigações. Ele argumenta que diante do fato dos suspeitos estarem utilizando o direito ao silêncio, o Ministério Público/MG pode, por exemplo, propor acordo de delação premiada ao suspeito certo, pois isso ajudaria a remontar os eventos e localizar o cadáver da vítima ou as provas necessárias para condenar os executantes do crime, mandantes etc. O segundo é o texto do jornalista José Cleves Silva, especialista em investigações de corrupção policial, envolvimento da polícia com tráfico de drogas, armas e assalto a bancos em Minas Gerais. Ele tem larga experiência no contato com a polícia mineira e também foi vítima dessa polícia que não difere muito das dos demais estados: adoram um holofote. Vale a pena ler o seu texto sobre a ação da polícia mineira no caso Bruno, considerando também que o jornalista foi acusado de ter matado sua própria esposa e foi inocentado por unanimidade.

Não foi apenas o espetáculo grotesco da mídia grande impressa e televisiva, que adora as lucrativas notícias de assassinatos brutais envolvendo sexo e celebridades, que causaram espanto a todos aqueles que têm consciência de que vivemos em uma sociedade chauvinista, mas também os comentários grotescos de machistas moralistas e, igualmente, de mulheres que contribuem para disseminar o machismo.

“(…) Se essa maria chuteira não tivesse pegado tanto no pé do Bruno, não teria morrido. Disse a Margarida neste espaço, e foi muito contestada, que se você vê um maremoto sai correndo. Eliza já havia sido ameaçada de morte e, mesmo assim, continuou pegando no pé do Bruno. Ela podia reivindicar seus direitos na Justiça sem ir de Range Rover ao sítio do doidão. Mas, provavelmente, ela era do tipo chiclete.(…) (Trecho de comentário no Viomundo).

Veja e alguns comentaristas do Viomundo – que adoram criticar o jornalismo ‘de esgoto’ daquele semanário — encontraram-se no mesmo sentimento de ignorar o fim trágico de Eliza, culpá-la pela própria morte e lamentar o fato de um ex-favelado, que finalmente ascendeu socialmente, ter jogado o ‘seu futuro’ pela janela, só por causa de uma ‘biscate’. Em todos eles, expressões como: ‘Maria Chuteira’, ‘interesseira’, ‘piranha’, ‘pegajosa’, ‘chiclete”, ‘puta’ etc. se mesclavam e se complementavam.

Mayara Melo fez um excelente texto a respeito deste tratamento ignóbil dado à vítima Eliza Samúdio e teve a paciência de elencar alguns, dissecando-os.

Trouxa, você fez filho pra pegar pensão? Então cala a boca! Puta é isso. Mulher que faz filho pra mamar dinheiro dos outros, seja quem for! Vagabunda se ferrou!” ou “Estou triste pelo jovem Bruno, um homem realizado na vida profissional e financeira e acabar tudo por causa de um envolvimento com mulher de programa, filho é feito em mulher decente e de honra que isso sirva de exemplo para os homens”.

Ainda há aqueles que disparam, sob moderado pudor: “Era uma aproveitadora, mas ninguém tem o direito de tirar a vida de outra pessoa, por pior que ela seja.”

Wladimir Aras definiu com precisão a condenação pública da vítima:  “Eliza Samudio é uma Geni insepulta. Provavelmente está morta. Mas continua apanhando!”

Nem sua morte foi capaz de calar seus detratores moralistas. Eliza, ainda grávida, foi seqüestrada, sofreu agressões físicas, foi obrigada a tomar substâncias abortivas e quando pediu socorro ao Estado, porque sua integridade física e a do seu filho foram ameaçadas, não obteve proteção garantida pela Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), porque uma juíza conservadora julgou moralmente a mulher Eliza e ignorou o art. 5º, inciso III:

“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,independentemente de coabitação.” (Fonte: Wladimir Aras).

Como este texto pode ter sido interpretado de outra maneira no caso de Eliza Samúdio? O preconceito incrustado na mente de nossos juízes pode explicar a decisão. Eliza foi pré-julgada pelo seu currículo sexual, condenado moralmente: seu comportamento tornou-a uma pessoa cuja vida vale menos que a das demais.

Para que pudéssemos refletir e agir sobre uma doença social que torna as mulheres vítimas da violência de seus companheiros ou ex-companheiros o Estado teria de fazer valer as leis que garantam nossos direitos. Nossa imprensa poderia ajudar fazendo menos bandalheira e recorrendo mais às análises históricas, antropológicas, sociológicas, políticas sobre as causas do sexismo. Mas restou aos leitores conservadores e consumidores de tragédias as reduções psicologizantes e empobrecedoras que pulularam em todos os meios de comunicação.

Ao abordar este feminicídio Fátima Oliveira fez a crítica a esta abordagem irresponsável, criticou seus pares e mostrou como o conservadorismo de uma juíza que prejulgou a conduta de Eliza, negando-lhe a proteção do Estado, tornou o próprio Estado co-autor de um crime:

(…) é antiético que psicólogos, psiquiatras e psicanalistas se encarapitem na mídia, como papagaios de piratas, chutando que fulano, sicrano ou beltrano é isso ou aquilo outro.

Nem todo homicida é sociopata. Nem todo sociopata mata, mas pode virar assassino se a lei não comparece para punir outros delitos, pois portam personalidades a quem só a lei dá limites (…)

Eterno ser imperfeito, objeto de prazer, consumo ou de pancada de outrem

Seria saudável para todos nós se tragédias anunciadas como a morte de Eliza Samudio ou o estupro da adolescente de 13 anos por outros três adolescentes na casa de um deles, servissem para que Estado e sociedade como um todo refletissem e agissem para diminuir o número escandaloso de mulheres assassinadas ou estupradas por seus companheiros diariamente no Brasil. Teríamos menos Elizas, Mércias, Eloás, Julienes e seus bebêsMarias Islaines, Orestinas

Nossa taxa de feminicídio é bem superior à média de outros países. Segundo o Mapa da Violência no Brasil no período de 1997 a 2007 dez mulheres foram assassinadas por dia, na maioria por seus companheiros atuais ou antigos maridos ou namorados. Segundo Mayra Kubik Mano, a cada quinze segundos uma mulher é espancada no Brasil!

A antropóloga Debora Diniz com muita propriedade argumenta: “A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens.”

Quando temos consciência de que não é natural o desrespeito e, não raro, a violência física, moral, psicológica com que somos tratadas e denunciamos, somos ridicularizadas com o velho e recorrente discurso que nem mesmo os editores e chargistas do Pasquim abriram mão.

De nós é exigido um corpo belo mesmo que não sejamos modelos ou atrizes pornôs. Não basta que, como qualquer ser humano, tomemos banho todos os dias, escovemos os dentes, lavemos as mãos, cortemos as unhas. Tudo em nós é visto e tratado ‘por natureza’ como algo imperfeito que precisa ser arrumado, extraído, modificado: unhas precisam ser ‘feitas’, cabelos precisam ser alisados ou enrolados ou tingidos, os pêlos extraídos das pernas, virilhas, axilas, buço, sobrancelhas, a pele precisa passar por seções torturantes de extração de cravos, manchas; as rugas precisam desaparecer, assim como gorduras, estrias, celulites.

Nosso corpo ainda é coisificado e muitas vezes nos cansamos e nos adequamos. Vivemos, aceitamos e cultuamos a juventude e um determinado padrão de beleza (geralmente branco, magro, loiro e de olhos azuis) e relegamos ao segundo plano todo ser ‘imperfeito’ fora deste padrão. Permitimos que meninas negras com apenas sete anos sejam eletrocutadas no banheiro devido a um  curto circuito em uma maldita chapinha usada para transformar seus cabelos crespos ‘imperfeitos’ em algo ‘apresentavel’.

Fazemos as mulheres depois dos quarenta serem muitas vezes tratadas como ridículas, porque querem recuperar sua juventude a qualquer custo.

Se a mulher exige de nós o direito de envelhecer com dignidade alcunhamos a de ‘tia velha, mal-humorada’. Se tem consciência de que sua experiência sexual permite que todo o seu corpo, com ou sem gordurinhas e celulites, ou alguns fios de cabelo branco, exerça desejos; se ela sabe que nada disso a impossibilita de dar e obter prazer junto ao seu companheiro, também não é valorizada.

Não criamos caprinos, devemos formar homens e mulheres saudáveis

Pré-julgamos mulheres que não seguem as normas impostas pela falocracia, mas consumimos o corpo feminino oferecido em diferentes suportes midiáticos.

Nossos valores tão deturpados permitem que jovens adolescentes tenham, por vezes, seu primeiro contato com a prática sexual expondo seu corpo e da parceira no mundo virtual.

A rede SaferNet, por exemplo busca orientar pais e responsáveis sobre exposição da sexualidade:

Não há nada de errado em falar e discutir sobre sexualidade. O erro é não se proteger e não se informar sobre como manter relações saudáveis dentro e fora do ciberespaço;

Proteja seus direitos sexuais e não facilite agressões;

Pais: dialoguem com seus filhos para conhecer o que fazem online e orientá-los. Os valores e limites de sua família precisam ser discutidos também em relação aos comportamentos online. Converse com seus filhos sobre as noções de privacidade e de comportamento de risco para construir limites como proteção e não como proibição;

Pais e educadores: Saiba que você não precisa ser expert em tecnologia, basta transpor a cidadania também para este novo ciber-espaço público;

SaferNet explica que o sexting, prática na qual adolescentes de 12, 13 anos de idade e jovens usam seus celulares, câmeras fotográficas, emails, chats, comunicadores instantâneos e sites de relacionamento para produzir e enviar fotos e vídeos sensuais de seu corpo nu ou seminu – assim como mensagens eróticas para namorados, pretendentes ou amigos – já se tornou moda entre adolescentes por aqui. Reportagem do Terra Magazine mostra a chegada no Brasil de um concurso no qual adolescentes e jovens gravam suas relações sexuais e postam no youtube. Ganha o que tiver mais acesso. A prática não é incomum entre estudantes de escolas de classe média desde pelo menos meados da década de 1990 quando ainda se usava fita VHS. Com a rede, os vídeos apenas são distribuídos em novos suportes e em nível planetário.

Diante desta exposição e permissividade a velha máxima patriarcalista que reduz nossas crias a caprinos em pastos –‘segurem suas cabras, pois meu bode está solto’ – adquire novas colorações moralistas, renova-se em outros discursos, mas continua em voga. Reprimimos as meninas, reproduzindo os velhos papéis sociais desde a sua mais tenra infância, desde a escolha dos brinquedos.

Meninos recebem carrinho, bola, é permitido a eles até alguns excessos nas lutas com os amiguinhos. Aos leitores pacientes desde longo texto: faz algum sentido a idéia da violência, da valorização da força física no universo masculino parecer algo da essência dos homens?

Meninas recebem apetrechos de cozinha, bonequinhas para desde cedo adequarem-se a um papel naturalizado às mulheres: donas de casa, mães….

Não nos passa pela cabeça que, em pleno século XXI, as mulheres podem, se assim desejarem, jogar futebol e serem atletas excelentes como a Marta, que faz inveja a muito marmanjo apaixonado por futebol, ou que elas tornem-se exímias e cuidadosas motoristas e tenham, inclusive, descontos nas apólices de seguros de automóveis pelo seu comportamento mais civilizado no trânsito. Mesmo assim, elas continuam ouvindo dos ogros que não se civilizam – e acham que trânsito é praça de guerra: ‘volta para o tanque, Dona Maria!’ Os ogros são incapazes até de atualizarem suas ofensas: a venda de eletrodomésticos bate recorde atrás de recorde no Brasil e até as ‘donas Marias’ já compraram sua máquina de lavar roupas.

Para além de combater uma cultura midiática que estimula crianças e jovens a serem consumistas não apenas de objetos, mas de imagens femininas como produtos de consumo, é urgente que pais e professores revejam o quanto são responsáveis pela reprodução de uma educação sexista. Da mesma forma, é preciso refletir também na construção da identidade masculina, a valorização do macho como ‘provedor’, ‘ pegador’, ‘comedor’, desprovido de afeto.

Vários pesquisadores vêm se dedicando à temática da reprodução de preconceitos e discriminações no âmbito escolar.Marília Pinto de Carvalho, em pesquisa de campo junto a professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental, investigando o fracasso escolar de meninos negros nas escolas públicas (grupo que permanece há décadas em primeiro lugar nas estatísticas), aponta-nos, por exemplo, que professoras têm imagens cristalizadas do que seriam comportamentos próprios e/ou adequados aos meninos e meninas, aos negros, aos brancos e aos pobres.  Percepções sobre comportamento de gêneros, pertencimento étnico-racial e origem social interferem na avaliação e expectativa dos professores em relação à disciplina e desempenho escolar das crianças e por, sua vez, na construção de suas identidades.

Dos meninos, as professoras não costumam cobrar capricho nos cadernos e quando se deparam com um caderno limpo, bem cuidado, desenhado, que não pertence a uma menina se surpreendem.  Muitas têm como pressuposto que os problemas de disciplina apresentados por crianças negras, especialmente meninos, estão invariavelmente relacionados ao:

histórico da família desses alunos, alunos que moram em ambientes mais pobres, favelas, estão mais expostos a coisas cruéis, os modelos de adultos que essas crianças têm são pessoas mais rudes” (Depoimento de professora à Marília Carvalho).

Ao longo do trabalho a pesquisadora discutiu com as professoras entrevistadas os resultados parciais da pesquisa. Marília destaca que as professoras eram ‘jovens, comprometidas, sérias em seu trabalho pedagógico’, foram ‘corajosas e perspicazes ao longo de todo o processo’. Mesmo assim, suas avaliações em relação às crianças revelaram-se hierarquizadas:

“Mas se elas não eram abertamente preconceituosas nem discriminadoras, se gostavam de seus alunos e se dedicavam a eles, como suas avaliações revelaram-se tão marcadas por hierarquias de gênero, classe e raça?” (Marília Carvalho).

Precisamos tornar realidade princípios caros aos educadores: educar para autonomia, para o respeito e para a convivência solidária. Isso não pode ser apenas discurso vazio, tem de se tornar prática social. A filósofa Hannah Arendt, refletindo sobre a crise da autoridade, grosso modo, argumenta que toda geração adulta é responsável pela que a sucede. E adultos que abram mão desta tarefa crucial, deveriam também abrir mão de serem pais e professores.

Somos a maioria desempoderada e despolitizada

Nós, mulheres, somos maioria na população brasileira e, entre os cerca de 135 milhões de eleitores aptos a votar, representamos 52% contra 48% dos eleitores do sexo masculino, mesmo assim somos subrepresentadas:

“O balanço de registros em 2008 divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a participação feminina na disputa por cargos eletivos é bem abaixo do percentual masculino. De um total de 375.655 registros de candidaturas para cargos nas prefeituras dos municípios brasileiros (prefeito, vice-prefeito e vereadores), apenas 74.837 (20,96%) eram de mulheres.” (Sandra Cruz, UNE).

Considerando as estatísticas de anos de estudo, as mulheres brancas são as mais educadas, mesmo assim, nem elas estão majoritariamente na política. Sandra Cruz aponta que nos cargos de maior nível hierárquico no parlamento, governos municipais e estaduais, secretarias do primeiro escalão do poder executivo, judiciário, sindicatos e reitorias as mulheres não chegam a 20%. Se além do gênero, consideramos o recorte étnico-racial, seja entre mulheres candidatas ou eleitas, o quadro de subrepresentação é ainda mais grave: as negras estão em minoria e as indígenas praticamente ausentes.

Nosso voto fará a diferença e é preciso que tenhamos muito claro quais as políticas propostas que realmente visam combater o sexismo e outras formas de discriminação.

Estejamos atentas às políticas que possam nos empoderar, que permitam que nossas crianças tenham acesso às creches, a uma boa educação, ao lazer, à cultura, a uma infância digna.

São fundamentais as plataformas políticas que defendam a saúde pública no país, a humanização da medicina e que não se exima de discutir, por exemplo, de modo amplo e democrático a discriminalização do aborto (que, mais uma vez, mata as mais pobres e dentre elas, as mulheres negras, em sua maioria sem recursos para clínicas médicas clandestinas). Também são importantes o papel de representação das mulheres na mídia, as cotas, micro-créditos, renda mínima cuja gestão dos recursos esteja nas mãos das mães de família etc.

Nestas eleições temos duas candidatas do sexo feminino. As duas com trajetórias políticas em partidos de esquerda. Dilma Rousseff, que ainda muito jovem lutou contra a ditadura militar, foi presa e torturada, e Marina Silva, ex-PT, que iniciou sua luta política com os seringueiros da Amazônia. Para além das diferenças partidárias (que na atualidade as opõem), elas têm feito um debate de alto nível. Dilma tem enfrentado uma campanha detratora e sexista, porque está na frente nas pesquisas eleitorais e porque não se exime de debater, por exemplo, a discriminalização do aborto como uma questão de saúde pública. Marina tem mais dificuldade para expressar uma posição objetiva em relação a esse tema devido suas crenças religiosas, mas não nega que seja uma questão de Estado.

Para encerrar, recorro a outro artigo do sociólogo Marcos Coimbra, que questiona uma falácia presente na grande mídia e no senso comum conservador. Trata-se da que afirma que mulheres não votam em mulheres.

Nesse artigo Coimbra discute a preferência do eleitorado a partir do recorte de gênero. O texto é de abril, quando Ciro ainda aparecia nas pesquisas de intenção de voto. Há três meses nas pesquisas eleitorais, Dilma e Marina, em todos os estados, tinham desempenho menor entre as eleitoras do que Serra e Ciro. A diferença, inclusive, entre Dilma e Serra era o voto feminino, já que a preferência do eleitorado masculino entre os dois candidatos era igualmente distribuída.

À época, Coimbra argumentava que um fator crucial para explicar as performances dos candidatos era o nível de conhecimento que os eleitores tinham deles. Ou seja, o fator relevante era a informação. Quando homens e mulheres possuíam nível de informação semelhante essas diferenças desapareciam:

“As pesquisas atuais refletem a distribuição desigual da informação entre os gêneros, que deriva, por sua vez, dos papéis sociais diferentes que homens e mulheres desempenham.” (Marcos Coimbra)

Posso garantir que este é um dado importantíssimo. Sou uma mulher educada, com acesso à informação, ativista, politizada. Mas também sou mãe, filha mais velha com pais idosos, tenho uma atividade profissional que demanda longo tempo de concentração, sou blogueira, twitteira, orkuteira, facebookeira.

Para conseguir fazer tudo isso, conto com ajuda da Ana, mensalista que trabalha em minha casa. Ana está de férias. Nos primeiros dias quase enlouqueci para dar conta de todas as demandas, como este texto que agora entrego a vocês e que foi redigido a conta-gotas entre lavar quintal do cachorro, controlar a máquina batendo roupa, ir às reuniões preparatórias do encontro de blogueiros, fazer almoço para a filha (que pegou na vassoura também)…

Então, mulherada, se vocês realmente acham que não podemos mais ser tratadas como seres eternamente imperfeitos, despolitizados, vadios e saco de pancadas, à luta, olho vivo e ação contínua para educar nossos companheiros e nossos filhos, meninos e meninas, para serem pessoas autônomas, colaborativas, respeitosas, mais livres e felizes.

Homarada, a formação de nossos filhos se concretiza quando o modelo está em sintonia com o discurso. O modo como tratam suas parceiras reflete na forma como seus filhos construirão suas futuras relações. Assim como, para que possamos nos informar e escolher a melhor candidatura que continue transformando positivamente o Brasil, precisamos de tempo livre. Saibam, portanto, que suas meias de futebol não vão sozinhas para a máquina de lavar roupas, sua comida não fica pronta se não for preparada e nem as panelas são auto-limpantes.

Se vocês também desejam que sua mãe, irmã, parceira e/ou filha sejam seres bem informados, politizados e autônomos, que tal sair da frente desta tela, convidá-las a ler este texto e se oferecer para lavar aquela pia de louça suja?

Sexismo emburrece e mata. Repensar os papéis sociais cristalizados para mulheres e homens nos liberta, permite que mudemos nossas atitudes, possibilita-nos fazer escolhas mais conscientes tanto na política quanto na vida.

27 de julho de 2010 às 12:15

Toddy, sexo ao vivo e Restart (você sabia que seu filho ou filha faz sexo em rede?)

Por: Conceição Oliveira, no twitter: @maria_fro

Sexta-feira, por volta das 23 h, subi aqui no Blog da Mulher um texto que até o momento 321 pessoas, além de o lerem, compartilharam o link entre os seus seguidores da rede twitter, mais algumas dezenas compartilharam o mesmo link na rede do facebook e outras redes. Entre os mais de 70 comentários e dezenas de mensagens que recebi pelo twitter percebi o quanto homens e mulheres, muitos deles pais e educadores estão interessados em discutir o sexismo.

No domingo de madrugada qualquer usuário do twitter pôde saber muita coisa do adolescente de 16 anos que expôs, via twitcam (a tevê ao vivo do twitter ), a amiga de 14 anos para outros milhares de usuários daquela rede social.

Cerca de 25 mil espectadores (adultos e adolescentes) assistiram, ao vivo e a cores, uma adolescente que posteriormente disse ter 14 anos sentada no colo do amigo,  consentindo ser bolinada. Durante a transmissão na madrugada o vídeo foi gravado, algumas imagens dos momentos mais picantes foram ‘printadas’ (copiadas como arquivo de foto direto da tela do computador) e inundaram a rede quase que simultaneamente à transmissão.

No twitter, o adolescente mantinha o perfil ‘@damzinho’, associado a outros perfis como o formspring (conta de perguntas e respostas, também ligada ao twitter); o Orkut, o Youtube etc.

A primeira notícia sobre sexting que acompanhei pelo twitter

Na madrugada, enquanto o adolescente gaúcho expunha a sua parceira de 14 anos diante da câmera, com o consentimento dela, mulheres e homens no twitter acusavam-no de ‘pedófilo’, espalharam a notícia de que a ‘vítima’ era uma criança e, ainda por cima, irmã do ‘agressor’.

Quando vi pipocar na minha timeline a denúncia estranhei. Sou mãe de adolescente, já li muito sobre pedofilia na rede e fora dela. Pela literatura que conheço,  de modo geral, pedófilo não tem este comportamento. Expor-se de maneira tão primária na rede, para milhares de pessoas, é correr o risco de perder o acesso à sua vítima.

Ao ler as primeiras mensagens me assustei, tal era o nível de alarde que as pessoas faziam. Foram atrás de delegado twitteiro que combate crime na web e que se opõe aos especialistas em internet contrários ao controle da rede. Os especialistas que defendem a liberdade da rede alertam que estabelecido o controle todos nós teríamos nossos dados de navegação expostos sendo ou não criminosos.  A promessa dos que defendem o controle da internet a pais e educadores distantes e assustados com as redes sociais é um sossego que não virá.[1]

Quanto a mim, procurei entender o que se passava. Tentei em vão fazer algumas considerações a respeito do que imaginava estar ocorrendo. Em minutos, o indivíduo, cuja conta era @damzinho, já tinha se transformado em um ‘pedófilo’ e ainda por cima ‘incestuoso’.

Ele toma achocolatado, ela liga para o pai e Zero Hora acha que dá notícia

Na segunda-feira, no começo da tarde, retomei a discussão no twitter. Vi que o assunto continuava vivo e caminhando para uma linha criminalizadora e perseguidora que só irá distanciar os adultos deste tema e afastar a possibilidade de alcançar os adolescentes. No nível em que chegavam as mensagens  na minha timeline, não seria surpresa se ao ser reconhecido na rua por alguns dos twitteiros e twitteiras mais moralistas este adolescente sofresse agressão física.

artigo 241 do ECA proíbe a produção e veiculação de imagens de menores em cenas de sexo explícito. Se este caso for à Justiça, imagino que a idéia do que é sexo explícito vai se tornar um debate entre os advogados.

De todo modo, hoje, enquanto o Zero Hora anunciava que a polícia ia investigar o adolescente, ele criou outra conta no twitter com acréscimo de uma letra e abriu novamente sua twitcam. Acompanhado da mesma menina exposta e que se expôs na madrugada, tomava um ‘toddy’ enquanto se explicava e se vangloriava do ocorrido. A garota respondia algumas perguntas da legião dos adolescentes que correram para a twitcam da nova conta do adolescente, transformado em ‘mito’ da noite para o dia. Na rede é assim, num clique se apaga uma conta e num outro se cria uma nova.

Na conversa da tarde de segunda-feira a garota disse que tem 14 anos, que perdeu a ‘virgindade’ aos 13 e que não foi com o adolescente que a bolinou em frente à câmera na madrugada. Questionada se tinha orgulho do que fez, respondeu que não, mas que tinha perdido no jogo e tinha de pagar.  Na madrugada, ambos jogaram Uno e quem perdesse teria de se submeter ao outro na twitcam. Uma questão em aberto: como uma adolescente de 14 anos está de madrugada no quarto de um amigo adolescente de 16 anos?

Num dado momento a garota diz que precisa ligar para o pai. O garoto avisa na twitcam que fará silêncio para ela fazer a ligação para o ‘velho’. A garota liga para o pai e senta-se novamente ao lado do garoto.

Enquanto isso, na tela, pululam dezenas de perguntas e comentários de outros adolescentes e casal de amigos, estrelas da twitcam, respondem com tranqüilidade.

Printei um momento menos constrangedor:

Print Screen de segunda-feira à tarde, feito durante a exibição, via twitcam, dos adolescentes de Porto Alegre que na madrugada exibiram-se em cenas eróticas na rede.

O próprio corpo tratado como um objeto

O adolescente já tem uma necessidade de arriscar, de afrontar a vida. Ele se sente onipotente. Desafia a vida e a morte como se pudesse triunfar sobre tudo isso. Na verdade, ele está se sentindo uma formiguinha, mas não pode se expor como uma formiguinha. Ele tem que parecer potente.”

(…)

O corpo, a relação sexual com sua intimidade ficam esvaziados de sentido para se reduzirem à coisa. O objetivo não é a relação, e sim, a competição, que poderia acontecer com qualquer outro objeto. No caso, o objeto é o corpo em relação sexual. O que preocupa, então, é essa perda do sentido do contato amoroso, ou mesmo, do simples contato físico, que mereceria lugar privado e teria de ficar restrito apenas ao casal em questão.” (Élide Camargo Signorelli, Terra Magazine)

Buscando uma excessiva visibilidade na rede esses adolescentes permitem que, em poucos segundos, qualquer um saiba o seu nome completo, sua idade, a escola onde estuda, o local de trabalho etc.

Eles querem notoriedade, não querem passar despercebidos. Querem ser vistos e reconhecidos e o modo que encontram para isto é tornar suas experiências sexuais um espetáculo na rede.

São adolescentes como os que vocês têm em sua casa ou na sala de aula ou encontram na vizinhança. Tomam ‘toddy’, ouvem bandas como Restart, ligam para os pais para não deixá-los preocupados.

Não são seres assexuados que num passe de mágica,  ao atingirem a maioridade, tornam-se portadores de desejos sexuais. Indivíduos saudáveis quando entram na puberdade afloram desejos, namoram, ‘ficam’, querem fazer e fazem jogos eróticos. No mundo tecnológico e em rede no qual vivemos, a grande diferença é a de que não é apenas mais fácil tornar públicas essas experiências do campo privado, mas é desejo de muitos adolescentes torná-las públicas.

Seres humanos em transformação, com os hormônios à flor da pele, estimulados pelos apelos midiáticos da exposição muito provavelmente seguiam Tessália no twitter, a personagem que no ano passado foi fenômeno na rede social que mais cresce no Brasil (já somos o segundo país com mais usuários nesta rede). Tessália foi parar no BBB e supostamente praticou felação em outro membro do BBB embaixo do edredon e subiu os índices de audiência da rede Globo. BBB que muitos de vocês acompanham e que é exaustivamente narrado no twitter quando é exibido.

Alguns são muito novos para lembrarem do vídeo caseiro de Paris Hilton se exibindo em suas performances sexuais ou o de Daniela Cicarelli e o namorado flagrados na praia fazendo sexo. Outros possivelmente viram a propaganda do Kin, celular voltado para o público adolescente e redes sociais da Microsoft, cuja propaganda tinha como tema o sexting.

Enquanto eu escrevia este texto, vejo no twitter um link de mais um vídeo do garoto exibicionista disponível no Youtube. Parece ter sido gravado no banheiro (para ter privacidade?). Nele o garoto explicava pela enésima vez que não é pedófilo, que é ‘de menor’, que a garota consentiu, que tudo era resultado de um jogo etc. etc.  Não havia passado uma hora que  vídeo estava no Youtube e já tinha mais de 300 visitas e muitos comentários.

Dado o sucesso que foi a atuação dos novos candidatos juvenis de Porto Alegre a futuros BBB, podemos imaginar o que os próximos adolescentes farão para superar este feito e se tornarem a ‘celebridade virtual’ da vez. E nós o que faremos?


[1] Releiam, por favor, o subitem Não criamos caprinosaqui. Convidarei um professor, sociólogo, especialista em rede para escrever um texto voltado a pais e professores sobre a questão da segurança na rede e adolescência. Também providenciaremos entrevistas com psicólogos e médicos especializados em sexualidade na adolescência na era das redes sociais virtuais.

Emir Sader: Brasil, de Getúlio a Lula

25 de julho de 2010

http://www.viomundo.com.br/politica/emir-sader-brasil-de-getulio-a-lula.html

sugado do viomundo 24 de julho de 2010 às 12:26

O governo Lula representa uma nova expressão do campo popular, que teve nos governos de Getúlio e de Jango, seus antecedentes mais próximos. Governos de coalizão de classes, pluriclassistas, que assumem projetos de unidade e desenvolvimento nacional, com forte peso das políticas sociais. De Getúlio a Lula transcorreram décadas fundamentais, com elementos progressivos e regressivos, contraditórios, que chegam até o começo do século XXI vivendo uma circunstância nova, que pode se fechar, como um marcante parênteses ou como ponte para a ruptura definitiva do modelo herdado e a continuidade em um novo patamar da construção de um país justo, democrático, soberano. A análise é de Emir Sader.

por Emir Sader*, em Carta Maior

Data: 23/07/2010

O Brasil vive um momento diferenciado da sua história política. Uma história que completará em 2010 suas oito décadas mais importantes até aqui. Desde então, há elementos de continuidade e de ruptura, pelas imensas transformações que o Brasil viveu desde então. Oito décadas em que o país mudou sua fisionomia econômica, social, política e cultural, de forma profunda e irreversível. De país rural se tornou pais urbano, de pais agrícola, país industrializado, de um Estado restrito às elites a um Estado nacional. De país voltado para fora, para um país voltado sobre si mesmo. De Getúlio a Lula transcorreram décadas fundamentais, com elementos progressivos e regressivos, contraditórios, que chegam até o começo do século XXI vivendo uma circunstância nova, que pode se fechar, como um marcante parênteses ou como ponte para a ruptura definitiva do modelo herdado e a continuidade em um novo patamar da construção de um país justo, democrático, soberano.

A ruptura mais importante, até aqui, da nossa história se deu em 1930. Até ali, grandes pactos de elite bloquearam a possibilidade de protagonismo do povo na história do país. A independência, ao contrário dos outros países do continente – com a exceção de Cuba e de Porto Rico -, não se deu pela expulsão dos colonizadores, mas pela primeira expressão do transformismo – no sentido que lhe deu Gramsci – na história brasileira. Ao invés de república, passamos da colônia à monarquia, fomos o país que mais tarde terminou com a escravidão, enquanto se consolidou o domínio do latifúndio no campo. Um pacto de elite que perpetuou os laços com a metrópole colonial, prolongou a escravidão e perpetuou a concentração da propriedade rural.

A crise de 1929 determinou o esgotamento do modelo econômico que tinha orientado toda nossa inserção – como país colonizado – no mercado internacional, como exportadores de matérias primas, quando as grandes potências que controlavam nosso comércio exterior se declararam em crise e reduziram drasticamente suas exportações e importações. Os efeitos foram tão graves que caíram praticamente todos os governos da America Latina – mesmo os progressistas, como o de Yrigoyen, na Argentina.

Desde a maior das rupturas – 1930 – algumas inflexões redirecionaram a história brasileira de maneira significativa, até o presente, dentre as quais a ditadura militar representou o marco divisório desde então. A Revolução de 30 introduziu o novo período, fazendo com que a presidência passasse das mãos de um mandatário – Washington Luis, o último presidente paulista antes de FHC, ambos nascidos no Rio, mas adotados pela elite paulista – que havia afirmado que “A questão social é uma questão de polícia”, para um – Getúlio – que fará com que o Estado assuma responsabilidades sobre os direitos sociais e passe a interpelar aos brasileiros, nos seus discursos, como “Trabalhadores do Brasil”. O fundamental foi a criação de um Estado nacional, sucedendo a um que era um consórcio das elites econômicas e políticas regionais. Essa foi a maior ruptura progressista, até aqui, da história brasileira.

O Brasil começou a ter um Estado em que passaram a se reconhecer proporções crescentes de brasileiros, mediante políticas sociais, reconhecimento da sindicalização dos trabalhadores, um projeto nacional e um discurso popular, o desenvolvimento econômico como norte fundamental do país. Iniciava-se o período mais prolongado e mais profundo de expansão da economia e de extensão dos direitos sociais que o país conheceu. As oito décadas transcorridas desde então estiveram marcadas por algumas inflexões importantes, desde a que, em 1955, redefine o desenvolvimento, que deixa de ter um caráter expressamente nacional – em que as empresas estatais tinham um papel chave – para o ingresso maciço do capital estrangeiro, com a indústria automobilística passando a ser o carro-chefe do desenvolvimento industrial, chegando a responder, de forma direta ou indireta, por um quarto do PIB brasileiro.

Uma segunda inflexão se deu com o golpe militar de 1964, esta substantiva não apenas no plano econômico, mas também social, com a abertura econômica para os capitais estrangeiros e o arrocho salarial, que são o santo do “milagre econômico”, e político, com a ruptura da continuidade democrática e a passagem a uma ditadura militar. Foi imposta pela força uma ruptura com o processo gradual de democratização social, política, econômica e cultural, passando a predominar um modelo centrado na exportação e consumo de luxo, possibilitado pela feroz repressão aos sindicatos e aos movimentos populares, com a correspondente super-exploração do trabalho.

A redemocratização representou uma ruptura político institucional sem, no entanto, romper com as bases econômicas e sociais do poder monopólico no Brasil. O poder dos bancos, da terra, da grande mídia privada, dos grandes monopólios nacionais e internacionais se fortaleceu, ao invés de serem objetos de democratização. A eleição do primeiro presidente civil depois da ditadura, ao não se dar pelo voto direto, mas pelo Colégio Eleitoral, facilitou uma nova conciliação das elites, fazendo com que o novo regime fosse um produto hibrido do velho e do novo. Passamos a ter uma democracia política sem alma social, sem alterar nosso recorde negativo de pais mais desigual do continente mais desigual do mundo. Isto é, uma democracia formal, nos moldes do liberalismo, assentada sobre a sociedade mais desigual do continente mais desigual do mundo.

Tanto assim que essa democracia foi funcional ao modelo neoliberal – hoje tão execrado nacional e internacionalmente, mas que com FHC ganhou total apoio das elites dominantes brasileiros -, que acentuou a desigualdade social, concentrou ainda mais o poder econômico e fragilizou a democracia reconquistada. FHC sentenciou a inflexão do seu governo: “Viraremos a página do getulismo.” Tinha consciência ele de que sem destruir as sobrevivências do Estado nacional, regulador, indutor do desenvolvimento, distribuidor de renda, o neoliberalismo, o reino do mercado, o Estado mínimo, não conseguiriam se impor. Foi sua obra. Fracassou e abriu caminho para o governo Lula, uma era hibrida, composta por continuidades e rupturas, possível até que existisse base material para um amplo arco de alianças que vai do capital financeiro aos pobres da cidade e o campo, que a crise atual coloca em questão.

Depois de termos participado, na década passada, do extenso e radical reino do neoliberalismo neste continente, participamos dos movimentos que, na década atual, rejeitam esse modelo e buscam formas de sua superação. Pela primeira vez, desde os governos de Getúlio, forças do campo popular dirigem, já por dois mandatos consecutivos, o país.

Como isso foi possível, depois de 21 anos de ditadura militar e de mais de uma década de governos neoliberais? Qual o fio condutor que articula o movimento popular brasileiro desde suas origens contemporâneas, na Revolução de 30, passando por estas oito décadas de acontecimentos tão significativos – progressivos e regressivos – até chegar ao complexo período que vivemos?

Da classe contra classe à questão nacional

As origens do movimento popular brasileiro precedem a Revolução de 30, nas origens da industrialização. Provêm do sindicalismo anarquista, comunista e socialista, que pela primeira vez levantaram no Brasil a necessidade de uma alternativa ao sistema de poder dominante. Suas bandeiras eram diretamente classistas, foram influenciadas pela interpretação da Revolução Russa como uma revolução “operário camponesa” e pelas lutas do movimento operário europeu. Tiveram o grande mérito de dar inicio à organização autônoma do movimento popular, centrado nos trabalhadores imigrantes, que traziam suas experiências e as doutrinas que fundaram a esquerda na Europa. Era uma esquerda urbana, sem raízes no campo, onde residia a grande maioria da população que, além disso, não chegou a elaborar estratégias específicas, assentadas na realidade brasileira. Assim, temas candentes como a da luta contra o latifúndio, contra a dominação externa, o das estratégias nacionais, não eram ainda temas centrais para a esquerda.

A crise de 1929 colocou os primeiros grandes desafios para o movimento popular brasileiro. Como reagir diante do esgotamento do modelo primário-exportador? Que estratégia nacional deveria ser elaborada para organizar as foras populares e constituir um bloco de transformação radical do país? Que posição tomar diante do nacionalismo?

Quem melhor captou a natureza da crise e as alternativas que se colocavam foi o nascente movimento nacionalista e não os partidos da esquerda – em particular o Partido Comunista, o mais importante deles. Este manteve a linha da Internacional Comunista de classe contra classe, subestimando o peso que a questão nacional passaria a ter em países como o nosso, na periferia capitalista. Enquanto que o nacionalismo soube captar o peso da identidade nacional e dos interesses nacionais no processo de industrialização que se iniciava e no marco do ressurgimento com força dos Estados nacionais no plano mundial.

A Revolução de 30 deu inicio ao que seria o movimento popular brasileiro durante as décadas seguintes. Um movimento centrado no nacionalismo como ideologia, em um bloco de forças entre o empresariado brasileiro, o movimento sindical urbano, as classes médias, comandadas pelo novo Estado brasileiro, o primeiro Estado com dimensão e ideologia nacional. Pela primeira vez o Brasil se pensava como nação e dispunha de um projeto nacional.

O modelo hegemônico introduzido pela Revolução de 1930 pode ser caracterizado como um modelo nacional-estatista, em que o impulso ao desenvolvimento se centrava fundamentalmente no Estado e na industrialização, ao mesmo tempo que a organização das classes fundamentais emergentes – empresariado nacional, classes médias e movimento sindical urbano – seria articulado pelo Estado, que incentivava a organização corporativa desses setores, mas vetava sua organização política. Esta estava dada pelo Estado e pela liderança de Getúlio em particular, que encarnavam os interesses da nação.

Essa orientação, aliada à visão classista da esquerda – em particular do Partido Comunista – implicaram num distanciamento inicial entre a esquerda partidária organizada e o movimento nacionalista. Em um segundo momento, na década seguinte, se daria a aproximação que marcou a identidade da esquerda por algumas décadas.

A postura do nacionalismo brasileiro – e latino-americano – diante do liberalismo será outro elemento essencial para definir a identidade do campo popular deste lado do Atlântico. Na Europa, o liberalismo foi a ideologia da burguesia ascendente, que lutava pela livre circulação de mercadorias, contra as travas feudais, sobretudo em relação à compra e venda livres da terra e da força de trabalho. Enquanto que o nacionalismo, numa região que não sofreu dominação externa, assumiu um caráter egoísta, chovinista, da suposta superioridade de uma nação sobre a outra – que seria profundamente explorada nas duas guerras mundiais, como expressão das contradições interimperialistas.

Já na periferia do sistema – e, em particular, na América Latina e no Brasil – o liberalismo foi a ideologia do bloco primário-exportador, cujos interesses se fundamentavam no livre comércio da exportação e da importação. Centrava-se no liberalismo econômico, que não necessariamente se casava com o liberalismo político.

Enquanto que o nacionalismo, pela dominação externa, colonial e imperialista que caracterizou nossa inserção no mercado internacional, teve um caráter de resistência nacional à exploração externa. Foi antiliberal no plano econômico, para proteger o mercado interno e fomentar a industrialização nacional. Mas foi também anti-liberal no plano político – nos casos mais conhecidos, os de Getúlio e Perón -, propondo a predominância da unidade em torno da nação e do Estado em contraposição ao sistema de partidos, que consideravam que dividiria a nação.

Essa posição do nacionalismo latinoamericano fez com que se dissociassem as questões nacional e social – fortemente reivindicadas por ele – e a questão democrática que, sob forma liberal, ficou em mão da direita. O movimento popular, especificamente no caso brasileiro, assumiu a bandeira nacionalista e social, fundada numa aliança de classes entre o grande empresariado nacional, setores das classes medias e o movimento sindical urbano. A direita buscou se opor, fundada em visões democrático-liberais.

O inicio do processo de sindicalização deu inicio ao mais importante processo de organização popular na história brasileira, mas ao restringi-lo apenas aos setores urbanos dos trabalhadores e ao não tocar na estrutura agrária, terminou se perpetuando o poder do latifúndio – mesmo que perdendo a hegemonia para a burguesia industrial ascendente -, separando o destino dos trabalhadores do campo – a imensa maioria dos trabalhadores – dos urbanos, favorecendo a continuação da emigração do campo para as cidades.

A estratégia hegemônica da esquerda se assentava na luta contra o latifúndio e o imperialismo, buscando desbloquear o desenvolvimento econômico, ao considerar que as travas externas e rurais seriam os obstáculos centrais à modernização industrial e ao desenvolvimento econômico e social do país, assim como à afirmação da sua identidade nacional. Essa estratégia considerava que haveria uma primeira etapa de luta nacional e democrática, até que se criassem as condições para uma luta anticapitalista.

Foi um período de extraordinários avanços no desenvolvimento econômico do país, na construção do Estado nacional, na conquista de direitos sociais da população e de elaboração de uma ideologia nacionalista. Coincidiu, primeiro, com a recessão internacional e o refluxo dos investimentos estrangeiros em toda a região – o que favoreceu a estratégia de industrialização pela substituição de importações – e depois com a segunda guerra e a guerra da Coréia. Coincidiu também com o maior ciclo longo expansivo do capitalismo internacional, do qual a industrialização de países da periferia como o Brasil, a Argentina e o México fizeram parte. Assim, de 1930 a 1954 abriu-se um espaço sui generis para o desenvolvimento econômico nacional, funcional ao ciclo expansivo internacional.

O fim da guerra da Coréia representou o retorno com força dos investimentos estrangeiros, particularmente os norte-americanos, estabelecendo um final do ciclo fortemente nacionalista no Brasil e na Argentina. (Não por acaso Getúlio cai em 1954, Perón em 1955). Na metade da década de 1950 chegaram os investimentos na indústria automobilística, que trariam grandes conseqüências para o caráter do desenvolvimento econômico, assim como no plano das forças sociais e do próprio Estado.

Mudou o rumo do desenvolvimento econômico, que continuou a ser o objetivo central do modelo dominante, mas a entrada do capital estrangeiro deslocou para ele – em particular para a indústria automobilística – o eixo central da economia. Com JK, o desenvolvimento passou a primar sobre o seu caráter nacional, a composição da classe operária também se viu alterada, com a imigração maciça de trabalhadores nordestinos para a indústria privada – prioritariamente paulista – em detrimento da empresas estatais e do epicentro econômico e social no Rio de Janeiro.

O movimento popular, no entanto, seguiu fortalecendo-se, tanto com a extensão da sindicalização urbana, quanto com o começo da sindicalização no campo. A polarização política continuou a se dar entre os mesmos blocos, sem refletir ainda a expansão da presença do capital estrangeiro no país.

Esta se fará sentir mais fortemente conforme as articulações para o golpe militar se intensificaram. A derrota do candidato que daria continuidade ao programa getulista – o general Lott – deslocou o bloco dominante, mas a renúncia de Jânio Quadros, ao recolocar a João Goulart na presidência, retomou-a, em uma versão mais popular, por ter a Jango como cabeça de governo. O governo Jango retomou o projeto de Getúlio – teorizado por Celso Furtado em torno das “reformas de base” -, que expressou a formulação mais articulada do projeto do movimento popular naquele período. As medidas anunciadas por Jango no seu ultimo comício – no dia 13 de março na Central do Brasil, no Rio de Janeiro – iam nessa direção: inicio do processo de reforma agrária e limitações na remessa de lucros para o exterior.

O movimento popular brasileiro tinha atingido seu auge de mobilizações, pela extensão e diversidade de suas forças e manifestações. Um governo com um projeto de reformas estruturais da economia, um movimento sindical forte, estendendo-se dos centros urbanos ao campo, passando a incorporar aos funcionários públicos e a setores das FFAA, grande capacidade de mobilização e combatividade do movimento estudantil, criatividade inédita do conjunto do mundo artístico – cinema novo, bossa nova, teatro político, entre outras expressões. O golpe viria se abater sobre todas as manifestações populares e democráticas acumuladas no país de forma brutal e direta.

O golpe revelava como a grande burguesia brasileira preferia apoiar a ruptura da democracia para consolidar sua aliança com o grande capital internacional e o latifúndio, ao invés de com o movimento popular na direção de aprofundar e estender a democracia no Brasil. Abandonou sua bandeira democrática – em nome da qual pregou e apoiou a o golpe e a ditadura – e se unificou no apoio ao novo regime e às suas políticas econômicas antinacionais.

O golpe militar foi uma das maiores rupturas vividas pela historia brasileira – esta de caráter claramente regressivo. O movimento popular brasileiro havia chegado a seu momento de maior força em toda a sua historia até aquele momento. Pela sua força de massas, pelas direções políticas de caráter nacional que havia construído, pela sua força ideológica e pelos postos ocupados nas esferas de governo, especialmente a nível nacional.

A ditadura golpeou profundamente o campo popular em todas as suas formas de existência: dos sindicatos urbanos aos rurais, das universidades às escolas básicas, dos intelectuais aos artistas, dos jornais cotidianos às revistas, dos parlamentares progressistas aos juízes, das editoras aos teatros e aos produtores de cinema, dos militantes aos simpatizantes da esquerda. Quebrou-se o eixo do campo popular, assim como suas extensas raízes de massa, instalando-se, pela primeira vez em muitas décadas, um Estado antipopular, que golpeava a democracia e o movimento popular em todas as suas dimensões.

Colocava-se um novo desafio para as lutas populares no Brasil: como enfrentar a ditadura, como reivindicar a questão democrática, ao mesmo tempo, que a o enfrentamento da dominação externa e das oligarquias internas?

Da ditadura à democracia

A ditadura militar mudou radicalmente o perfil do movimento popular brasileiro. Já não contava com as organizações de massa legais, ao contrário, tinha que computar a repressão sistemática a qualquer forma de organização – sindical, estudantil, camponesa, cultural. Tinha a questão democrática como central – a luta contra a ditadura se transformava no tema central, que poderia unificar a amplos setores afetados pela repressão. Tinha, ao mesmo tempo, o desafio de como atuar diante do fechamento de praticamente qualquer espaço de luta nos planos econômico, social, político e cultural. As formas de luta apareciam como uma interrogante a responder, da qual se deduziria uma grande quantidade de conseqüências.

A primeira reação da oposição à ditadura foi a de impulsionar a luta clandestina, propugnar por uma saída radical da ditadura e centrar suas formas de luta nas ações armadas – de forma paralela à vitória das guerrilhas em Cuba e de sua proliferação em outros países do continente, especialmente, Venezuela, Peru, Guatemala, concomitantemente com a resistência dos vietnamitas à invasão norteamericana. O movimento estudantil aparecia como o mais ativo na resistência à ditadura, enquanto se desenvolviam debates na esquerda sobre a natureza do golpe e do novo período político, assim como as formas de luta e seus objetivos, sob forte influencia da Revolução Cubana.

Na primeira etapa, sem movimento social organizado, mas contando com a brutalidade da repressão militar, a reorganização do movimento popular se centrou em torno de núcleos guerrilheiros, que conseguiram, valendo-se do fator surpresa, assestar bons golpes na ditadura – entre seqüestros e troca de prisioneiros, desvios de aviões e outras ações armadas. Passado o efeito surpresa, com o movimento de massas desorganizado, sofrendo os duros golpes da repressão e das políticas econômicas da ditadura, o movimento guerrilheiro acabou sendo cercado e derrotado, concluindo a primeira fase da luta de resistência à ditadura.

Ao mesmo tempo, apoiada na repressão política e econômica, na abertura da economia e atração de capitais estrangeiros, a ditadura lograva retomar a expansão econômica, embora agora com forte contenção do consumo popular, concentrando a realização na esfera alta do consumo e na exportação. A derrota dos grupos guerrilheiros abriu o espaço para a oposição legal. Ao mesmo tempo, o movimento de massas encontrou um novo caminho a partir da resistência do sindicalismo metalúrgico do ABC, que conseguiu quebrar a política de arrocho salarial da ditadura, vigente durante quase década e meia. Ao lado desse consistente movimento, que suscitou ampla solidariedade e projetou novas lideranças populares – a mais expressiva das quais, Lula -, se desenvolveram novos movimentos sociais – de mulheres, de negros, de indígenas, de luta contra a carestia, das comunidades eclesiásticas de base, entre outros -, projetando uma nova fisionomia ao movimento social brasileiro.

Emergiam assim duas vertentes de oposição à ditadura e de luta contra a ditadura: uma, de caráter legal, institucional, hegemonizada por uma concepção democrático-liberal, de restauração dos marcos políticos do regime democrático, com um projeto de reformas econômicas estruturais, centrado no MDB. A outra, com um projeto de construção de uma democracia com caráter social, centrado nos novos movimentos sociais, liderados pelo sindicalismo de base.

A primeira foi claramente hegemônica, durante muito tempo abrigou no seu seio quase todas as correntes opositoras. Os novos movimentos sociais foram os grandes protagonistas na luta de massas, o que deu um caráter popular à resistência à ditadura, enquanto a corrente legal parlamentar lhe impunha o caráter democrático.

A luta contra a ditadura desembocou na luta pela anistia geral e irrestrita e, depois, pela eleição direta para presidente. A hegemonia do setor democrático liberal se consolidou ao longo da década de 1970, conforme o fim da ditadura foi se configurando como um processo político institucional, de caráter eleitoral. As duas campanhas uniram as forças sociais e políticas, permitindo a constituição de uma ampla força democrática, que acabou conduzindo à transição democrática no final da ditadura. No entanto a hegemonia foi do bloco democrático-liberal, inclusive porque o bloco alternativo não propunha uma saída diferente da ditadura.

O tom diferenciado do movimento popular era a ênfase nas reivindicações sociais, além das transformações políticas, com o fim da ditadura, como seu diferencial. As duas correntes se fortaleciam, sob o influxo da luta antiditatorial – uma com ênfase na esfera política, a outra na esfera social.

Foi um período de fortalecimento do movimento social e do campo popular, com a fundação da CUT, do PT, do MST, além da mobilização popular que precedeu a Assembléia Constituinte – esta mesma uma expressão da força que o movimento democrático havia adquirido. A campanha pelas eleições diretas, as mobilizações sindicais e dos trabalhadores sem terra revelavam como a luta de resistência à ditadura mantinha a iniciativa, com grande respaldo popular.

As maiores mobilizações populares que o Brasil havia conhecido se deram em torno das eleições diretas para presidente da república. Sua derrota, porém, abriu caminho para um novo pacto de elite, quando setores da oposição e setores originários da ditadura se uniram para escolher como candidato não a Ulysses Guimarães – o líder da oposição democrática -, mas um político mais moderado, Tancredo Neves, tendo a um dirigente que até pouco antes era presidente do partido da ditadura, José Sarney, configurando como a democracia nascia como um hibrido entre o novo e o velho.

O governo Sarney foi marcado pelas condições do seu surgimento – depois da morte de Tancredo -, gerando um governo que limitou a transição à democracia como transformação apenas na esfera político-institucional, sem que a democratização tivesse também um caráter econômico, social e cultural.

O período terminou desembocando na primeira eleição direta para presidente da República, quando, porém, a polarização ditadura-democracia havia sido superada – durante o governo Sarney – permitindo que o candidato da direita – Fernando Collor – colocasse na agenda a desqualificação do Estado e da regulação econômica, apontando para a primeira versão do projeto neoliberal no Brasil. O desempenho de Lula nas eleições de 1989 fazia com que o campo popular acreditasse que suas bandeiras essenciais – ética na política e justiça social – constituiriam as propostas fundamentais da plataforma da esquerda. O tema da crise fiscal do Estado e da luta contra a inflação começava a projetar-se, pegando desprevenida a esquerda.

A campanha pelo impeachment de Collor parecia confirmar a vigência do tema da ética na política como central. A campanha eleitoral de 1994 foi protagonizada pelas Caravanas da Cidadania de Lula, centradas no tema da justiça social, enquanto a escolha do vice na chapa – José Paulo Bisol – complementava os dois eixos da plataforma opositora.

A esquerda foi pega de surpresa porque – como o entorno latinoamericano já demonstrava – a hegemonia neoliberal crescia de forma avassaladora na região. Depois de começar como favorito, Lula foi atropelado pelo Plano Real e pela candidatura de FHC, que conseguiu impor como tema central a luta contra a inflação (a inflação como imposto aos pobres e como desorganizadora da economia), retomando os temas de Collor de forma mais coerente e articulada, para triunfar e fechar o período de transição democrática, com o triunfo da hegemonia neoliberal.

Neoliberalismo: a defensiva do campo popular

A hegemonia do modelo neoliberal veio consolidar o acúmulo de uma série de fatores regressivos em escala mundial: a passagem de um mundo bipolar a um mundo unipolar sob hegemonia imperial norteamericana; a passagem de um ciclo longo expansivo em escala mundial a um ciclo longo recessivo: no Brasil e em outros países da região, regimes de ditadura militar. A hegemonia global do modelo neoliberal consolidou essa relação de forças desfavorável às forças democráticas e populares.

No Brasil o modelo tardou mais para chegar, porque o forte impulso democratizador não apenas favoreceu o fortalecimento do campo popular e de suas organizações, como desembocou na nova Constituição. A própria caracterização do seu presidente, Ulysses Guimarães, de que se tratava de uma “Constituição cidadã”, isto é, de afirmação de direitos expropriados pela ditadura e de novos direitos, a colocava na contramão do neoliberalismo, que se constituía numa brutal máquina de expropriação de direitos.

Porém, o governo Sarney limitou a redemocratização ao plano político-jurídico, sem estendê-la aos planos econômico, social, dos meios de comunicação. Seu governo esgotou o impulso democratizante, permitindo que Collor – um político vinculado originalmente à ditadura – impusesse outra polarização, que não aquela entre democracia e ditadura. Conseguiu impor a polarização entre mercado e Estado, como central e assim começou a construiu a hegemonia neoliberal no Brasil – quando ela já se impunha abertamente no México, na Argentina, no Chile, revelando como representava uma onda avassaladora.

A queda de Collor interrompeu essa primeira tentativa de imposição do modelo neoliberal, mas o novo consenso estava instalado, criminalizando o Estado e todas suas formas de regulação. A nomeação de FHC como Ministro de Economia do governo de Itamar Franco e sua posterior eleição como presidente, permitiu consolidar esse novo consenso, mediante o Plano Real, que buscava “virar a página do getulismo” – nas palavras do presidente tucano – e instaurar a era neoliberal no Brasil.

A esquerda ficou presa à sua plataforma tradicional – políticas sociais e ética na política -, sem atacar os temas da crise de um Estado historicamente esgotado e sem propostas para um novo modelo econômico.. A direita deu a sua solução à crise, colocando o Estado como alvo das transformações no Brasil, centradas na desregulamentação da economia: privatizações, abertura da economia, precarização das relações de trabalho, enfraquecimento do Estado, substituição do tema do desenvolvimento pelo da estabilidade monetária, entre outros.

Os movimentos populares passaram diretamente à defensiva. Vítimas privilegiadas das novas políticas, mediante o enfraquecimento das políticas sociais, da cassação de direitos sociais, da elevação continua do desemprego e do subemprego, do ataque aos movimentos sociais e a toda a forma de oposição, deixaram à esquerda o dilema de defender um Estado falido ou somar-se às políticas de mercado. Uma situação claramente defensiva, deslocada, com perda de iniciativa, centrada na resistência a um projeto que se apresentava como modernizador e ofensivo contra privilégios, enquanto a esquerda ficava relegada a defender um modelo esgotado, a resistir às modernizações, a resistir, sem dispor de projetos alternativos.

Foi uma virada regressiva de proporções históricas, de alguma forma tão regressiva quanto o golpe militar. Se somavam assim dois períodos regressivos quase seguidos em poucas décadas no Brasil. Ao que se devem somar as transformações, na mesma direção, no cenário internacional e continental, para terminar de configurar um quadro bastante negativo para o campo popular.

A defensiva significa, ao mesmo tempo, que uma situação de confessa inferioridade, assumir a agenda do campo inimigo, ao qual nos opomos, a perda de iniciativa e de uma agenda própria. No Brasil, a resistência popular teve um papel essencial de colocar limites à plena realização dos projetos neoliberais. Primeiro, derrubando a Collor, atrasando os programas neoliberais e, no governo FHC, colocando limites aos processos de privatização. O atraso no processo neoliberal brasileiro também contribuiu para torná-lo um neoliberalismo tardio – FHC triunfa no mesmo ano da primeira grande crise neoliberal no continente, a mexicana – e incompleto.

Depois de um amplo apoio nacional, ao caracterizar a inflação como “um imposto aos pobres” e ao Estado como problema e não como solução, o governo FHC foi perdendo apoio, até não se recuperar da crise de 1999, da qual a própria economia não se recompôs até o final do seu governo. Os dois mandatos de FHC terminavam em derrota eleitoral, mas ele havia logrado mudar a agenda nacional, conseguindo incorporar temas como a estabilidade monetária, na agenda consensual nacional, assim como contribuir para acentuar os elementos pertinentes ao novo modelo: o modo de vida norteamericano, com seu centro no consumo, o individualismo possessivo correspondente, a desqualificação da organização social e política, dos partidos, da esfera estatal. O Brasil era outro ao final da década neoliberal.

O governo Lula ou a quebra do consenso neoliberal

A eleição de Lula é produto do fracasso e da rejeição do governo FHC, da resistência dos movimentos populares e da capacidade de Lula de capitalizar esses fatores para se eleger finalmente presidente. Isso não se dá no bojo de um grande ciclo de mobilizações populares. Os movimentos populares, duramente golpeados pelas políticas neoliberais – entre elas o desemprego e a precarização laboral – pelo ataques ideológicos, políticos e repressivos contra as mobilizações de massa e as suas organizações, pelas viradas ideológicas na sociedade brasileira, haviam passado a uma situação de relativo refluxo.

Apesar de tudo isso, Lula não se havia transformado em favorito para ganhar as eleições, sendo superado, sucessivamente por Roseana Sarney e por Ciro Gomes, até que a crise da candidatura deste deixou em aberto a herança de votos, disputada entre Lula e Serra. Foi nesse momento que a Carta aos brasileiros – em que se tentava debelar o ataque especulativo contra o Brasil, feito pelos capitais especulativos – e o “Lulinha, paz e amor”, conseguiram fazer com que Lula passasse do patamar histórico de votos do PT – pouco mais de 30%,- para a cifra que lhe permitiu vencer.

Foi assim uma vitória da rejeição do governo FHC, mas que recebeu como herança não apenas a dura situação econômica, mas também consensos nacionais implantados por anos de neoliberalismo. Sua incorporação, com a Carta aos brasileiros, foi herança desse consenso.

O governo Lula manteve elementos das políticas do governo anterior e rejeitou a outras, configurando um quadro contraditório. Na sua primeira fase, primaram os elementos de continuidade, mantendo-se um duro ajuste fiscal – de que os superávits primários e a independência de fato do Banco Central são expressões. O governo assumiu formas contraditórias, com políticas sociais e política externa claramente inovadoras, mas com política econômico-financeira e política agrícola tradicional.

O campo popular elegia um governo diretamente vinculado a ele, porém refletindo as contradições desse mesmo governo e do período político em que esse governo foi eleito. Dois momentos foram traumáticos para as relações do governo com sua base popular de apoio: o primeiro, a reforma da previdência, praticamente a primeira iniciativa política do governo, que se chocava diretamente com as posições do movimento social organizado. Isso se dava no marco do ajuste fiscal que primava na primeira fase do governo, em que os contingenciamentos de recursos freavam a realização das políticas sociais em favor da estabilidade monetária, refletida nos superávits primários.

O segundo foi a crise de 2005, em que sob acusações de uso de recursos para compra do apoio de aliados, o governo chegou a ter risco de sofrer acusação de impeachment e assim terminar precocemente a primeira experiência de governo popular em mais de quatro décadas, sob acusações de corrupção, sem ter saído do modelo econômico herdado.

O governo foi resgatado pelas políticas sociais e pelo apoio popular que ela lhe propiciou. A resultante, que permitiu ao governo não apenas superar a crise, como conseguir a reeleição em 2006 e chegar ao seu sétimo ano de governo – quando FHC tinha 18% de apoio – com apoio superior a 80% e rejeição de 5%, apesar de ter praticamente toda a imprensa feroz e sistematicamente contra.

Como resultante, o governo Lula representa uma nova expressão do campo popular, que teve nos governos de Getúlio e de Jango, seus antecedentes mais próximos. Governos de coalizão de classes, pluriclassistas, que assumem projetos de unidade e desenvolvimento nacional, com forte peso das políticas sociais. Da mesma forma que os governos anteriores, cruzado por uma série de contradições, agora produto mais direto da era da globalização neoliberal.

O povo brasileiro mudou, o campo popular também, o próprio Brasil é outro. Mas há uma linha de continuidade que permite dizer que a lutar de hoje é, no essencial, a mesma de há oito décadas, quando o Brasil contemporâneo começou a ser construído.

A construção de um projeto de nação e de sociedade, é um processo em curso, entrecortado por longos períodos de desarticulação do Estado, de fortalecimento dos interesses externos na nossa economia, de predomínio dos interesses privados no seio do Estado, de importação de formas de vida alheias, de estilos e formas oligárquicas e ditatórias de forjar opinião pública.

Pode-se dizer que as forças que levaram Getúlio ao suicídio, que deram o golpe contra Jango e que se opõem ao governo Lula são as mesmas forças de direita que foram hegemonias durante a ditadura militar e que instauraram e promoveram o neoliberalismo no Brasil. E que sobrevivem no tempo, porque são os mesmos que ganham com a hegemonia do capital financeiro, com o agronegócio, com a mídia oligárquica.

O povo trabalhador é o mesmo. Foram os negros escravos a primeira geração dos trabalhadores brasileiros. A segunda foi de imigrantes europeus, pobres, lutadores sociais. A terceira geração dói a dos nordestinos que emigraram para as cidades do sul, expulsos pela violenta e cruel estrutura agrária brasileira, beneficiária da ausência de reforma agrária.

O futuro do Brasil e do povo brasileiro dependem hoje de se o governo Lula será um parêntesis na dominação das elites tradicionais – as mesmas que produziram o país como o mais injusto e desigual do mundo – ou se o governo Lula é uma ponte para abrir caminho para a saída do modelo neoliberal e o inicio da construção de um país democrático econômica, social, política e culturalmente, soberano e solidário, um país para todos – na continuidade da luta que nos conduziu de Getúlio a Lula.

O Brasil mudou e mudou para melhor, mas nem por isso o governo Lula pôde resolver os principais problemas herdados. Pelo menos o governo colocou os problemas fundamentais a resolver: a hegemonia do capital financeiro, o modelo agrícola e a ditadura da mídia privada. Nas eleições de 2010 se decide não apenas o futuro imediato do Brasil, mas a fisionomia que terá a sociedade brasileira em toda a primeira metade do século. Se há um retorno das elites tradicionais, responsáveis pelo Brasil ser o país mais desigual do continente mais desigual, ou se dará continuidade e a aprofundará as transformações que levem à construção de um Brasil para todos – democrático, diverso, solidário e soberano.

(*) Primeiro texto do livro “Brasil, entre o Passado e o Futuro”, organizado por Emir Sader e por Marco Aurélio Garcia, publicado pelas Editoras Boitempo e Perseu Abramo.

Piada sionista Israel condena árabe que fingiu ser judeu para seduzir mulher

21 de julho de 2010

sugado da Falha de SP,  o meu jornal preferido de humor

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/769763-israel-condena-arabe-que-fingiu-ser-judeu-para-seduzir-mulher.shtml

20/07/2010 – 16h56

Um árabe que vive em Jerusalém e fingiu ser judeu para ter relações sexuais com uma mulher foi condenado por estupro de deve passar 18 meses na cadeira, informou a Corte Distrital da cidade, citada pelo jornal israelense “Haaretz”.

Segundo documentos judiciais, Sabbar Kashur, 30, conheceu a vítima em setembro de 2008 em Jerusalém, apresentando-se como um judeu solteiro que procurava um relacionamento.

De acordo com o jornal, o casal seguiu então para um prédio da região e fez sexo. Em seguida, Kashur deixou o edifício sem ao menos esperar que a parceira se vestisse.

Quando a mulher descobriu que ele não era judeu e sim árabe, ela fez uma queixa que resultou em indiciamento por estupro.

No veredicto, o vice-presidente da corte distrital, Tzvi Segal, escreveu que, “embora não tenha sido um caso clássico de estupro” e o sexo tenha sido consensual, o “consentimento foi obtido por meio da mentira e de falsas intenções”.

“Se ela não tivesse acreditado que o réu era um judeu interessado em um relacionamento sério, ela não teria aceitado”, escreveu o juiz.

“A corte tem a obrigação de proteger o interesse público contra criminosos sofisticados, que prejudicam vítimas inocentes a um custo irreparável, seus corpos e almas”, acrescentou.

Cientistas fazem carta pró-maconha

15 de julho de 2010

sugado da Falha de SP

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/766461-cientistas-fazem-carta-pro-maconha.shtml

14/07/2010 – 03h00

Um grupo de neurocientistas que estão entre os mais renomados do país escreveu uma carta pública para defender a liberalização da maconha não só para uso medicinal, mas para “consumo próprio”, informa Eduardo Geraque em reportagem publicada na edição desta quarta-feira da Folha(íntegra disponível para assinante do UOL e do jornal).

A motivação do documento foi a prisão do músico Pedro Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, que ganhou repercussão na internet. Ele está preso desde o dia 1º sob acusação de tráfico por cultivar dez pés de maconha e oito mudas da planta em casa, em Niterói (RJ). Segundo o advogado do músico, ele planta a erva para consumo próprio.

Os cientistas falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento), que representa 1.500 pesquisadores. De acordo com os membros da sociedade, existe conhecimento científico suficiente para, pelo menos, a liberalização do uso medicinal da maconha no Brasil.

Veja a íntegra da carta:

“A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.

Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.

Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois países finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio.

Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, como nestes países, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo.

Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas.

A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.”

Cecília Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)
Sidarta Ribeiro (UFRN, diretor da SBNeC)

Por Marcus Vinícius Baldo15 de julho de 2010

Cara(o) Sócia(o) da SBNeC,

Em matéria divulgada pela Folha de S. Paulo (FSP) em 14 de julho último, de autoria do jornalista Eduardo Geraque e intitulada “Cientistas fazem carta pró-maconha”, afirma-se que os cientistas signatários da referida carta, reproduzida abaixo,  “falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento), que representa 1.500 pesquisadores”. Nesse sentido, a SBNeC vem a público com intuito de prestar alguns esclarecimentos relativos a este episódio, os quais se fazem necessários e urgentes.

À parte outras imprecisões presentes na matéria, publicada tanto na versão impressa quanto na versão online da FSP, é necessário esclarecer que quaisquer opiniões defendidas na carta ali divulgada não refletem uma posição oficial adotada pela SBNeC ou por seus associados. A SBNeC, Sociedade existente há 33 anos e atualmente composta por cerca de três mil membros (ao contrário dos 1500 mencionados na matéria), defende, sim, a necessidade de uma ampla discussão sobre o tema, cujo debate já fora incluído na programação de nosso XXXIV Congresso Anual, que será realizado em setembro próximo. No entanto, qualquer posicionamento da SBNeC só poderá ser definido, tal como tem sido a conduta desta Sociedade ao longo de sua história, depois de ouvidas e devidamente ponderadas as manifestações de seus membros.

Embora três dentre os quatro neurocientistas que assinam a carta divulgada pela FSP ocupem, de fato, um cargo de direção junto à atual gestão da SBNeC, o conteúdo da carta por eles assinada reflete apenas suas opiniões pessoais, substanciadas pelo direito à expressão e pela competência que possuem como cidadãos e cientistas. No entanto, não expressam a qualquer tempo a opinião da Diretoria da SBNeC tal como instituição ou, menos ainda, a opinião dos quase três mil sócios que representa.

Esperamos que este episódio, ainda que lamentável, possa servir para motivar uma discussão mais detida e cuidadosa sobre um tema tão relevante à sociedade, como também para que seja reconsiderada e, talvez, mais valorizada uma prática de jornalismo mais atenta, isenta e acurada.

Marcus Vinícius C. Baldo (Presidente, SBNeC)

Cecília Hedin-Pereira (Vice-Presidenta, SBNeC)

Sidarta T. Ribeiro (Secretário Geral, SBNeC)

Stevens K. Rehen (Tesoureiro, SBNeC)

Gestão 2008-2011

A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é
utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só
há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.
Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de
responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na
superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que
substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo,
permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu
perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla,
doença de Parkinson, glaucoma, ansiedade, depressão, dor crônica,
alcoolismo, epilepsia e dependência de nicotina, entre outras
enfermidades. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de
células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos
signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.

Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha
no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é
mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram
suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da
maconha. Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e
do cultivo, o Brasil veta (através do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006)
a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas
sanções de caráter socializante e educativo. Infelizmente
interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto
está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da
banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro Caetano está há mais de uma
semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento
incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para
que o músico possa responder ao processo em liberdade.

A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão
daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam
por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas. Em seu
próximo congresso, de 8-11 de setembro próximo, a Sociedade Brasileira
de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir para a
discussão deste tema pouco conhecido da população brasileira. Um
painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a
aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os
usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É
preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.

Cecília Hedin-Pereira (UFRJ)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ)
Sidarta Ribeiro (UFRN)

DERRUBEM O PRESIDENTE

6 de julho de 2010

visto no blog do nassif, postado por Rafael que copiou do Flavio Gomes que nem eu

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/leonardo-o-novo-tecnico#more

Rafael Santos

Copa 2010 | 16:56

DERRUBEM O PRESIDENTE

Ricardo Teixeira é presidente da CBF há 21 anos. Não foi eleito por ninguém a quem devamos alguma consideração. Foi eleito pelos patetas dos presidentes das federações estaduais. São 20 e poucos, que podem ser comprados com jogos de camisas e bolas. É bem fácil ser eleito presidente da CBF quando se tem dinheiro para comprar jogos de camisas e bolas.

Ricardo Teixeira é um mau elemento. Não precisa me processar, presidente. Mau é antônimo de bom, e elemento é apenas um substantivo, como abacaxi ou jarra. Mau porque não é um bom presidente, porque na Copa de 1994 a Receita Federal o pegou no pulo trazendo muamba, não sou eu que acuso, não precisa me processar, presidente. Mau porque escolheu Lazaroni e Dunga, porque foi sacana com Falcão e Leão.

Mau porque preside uma confederação de um esporte, o futebol, e aqui quer realizar uma Copa do Mundo de futebol, e o país cuja confederação ele preside não tem um estádio decente onde se possa jogar futebol. Não precisa me processar, presidente, digo isso baseado no fato de que todos os estádios da Copa de 2014 estão por ser construídos ou reformados.

Em 21 anos como presidente da confederação de futebol, portanto, Ricardo Teixeira não conseguiu que seu esporte tivesse um palco sequer apropriado para a prática do esporte cuja confederação ele preside.

Não se trata, aqui, de tabular resultados. Foram seis Copas das quais o Brasil participou sob sua gestão, ganhou duas, chegou a uma final, em outras três se deu mal. Isso tudo é normal, no esporte ganha-se e perde-se, não importa. Mas foi sob sua gestão que o futebol do interior do Estado de São Paulo morreu, e isso me parece preocupante, foi na sua gestão que a Fonte Nova desabou, foi na sua gestão que o Campeonato Brasileiro virou Copa João Havelange porque os clubes estavam brigando com não sei quem, foi na sua gestão que as torcidas uniformizadas viraram gangues de criminosos, foi na sua gestão que as bandeiras foram proibidas nos estádios paulistas, foi na sua gestão que se viu o maior êxodo da história de jogadores para a Europa, para a Ásia, para o Oriente Médio, foi na sua gestão que desapareceu o futebol do Norte e do Centro-Oeste, foi na sua gestão que pegaram juízes vendendo resultados, foi na sua gestão que os empresários-urubus invadiram os clubes para tomar deles os garotos em começo de carreira.

Assim, sinto-me à vontade para dizer que Ricardo Teixeira é um mau elemento, ou um mau presidente, ou um mau dirigente, como queiram, e sinto-me mais à vontade ainda para não gostar dele e, portanto, de nada do que sai de sua cabeça, porque o futebol brasileiro, resumindo, é uma merda: não tem estádios, os melhores jogadores não ficam aqui, a violência das torcidas é uma mazela, os horários dos jogos são o fim da picada e mais um monte de coisas.

Para mim, está na cara que tudo é culpa do Ricardo Teixeira. É ele o presidente da confederação que cuida do futebol. Se o futebol está uma merda, dou-me o direito de achá-lo um m… um mau elemento que não cuida do futebol.

Ele cuida de contratos. Com a Nike, com a Globo, com o Itaú, com a Brahma, com a Seara, com a TAM, com a Gillette, com a puta que o pariu. Não me interesso por contratos. A CBF virou uma empresa que administra contratos e que tem um produto, a seleção brasileira. Não passa disso. Caga para o futebol. Agora há pouco, aliás, a CBF acabou de devolver o comando da gestão midiática de sua seleção à TV Globo, numa melosa entrevista no canal Sportv, conduzida por Galvão Bueno, Renato Maurício Prado, Paulo César Vasconcelos e Arnaldo César Coelho, que passaram uma hora lambendo Ricardo Teixeira, depositando toda a culpa da má Copa em Dunga (que, se bem me lembro, foi escolhido por Ricardo Teixeira), que só virou vilão na Globo porque não deu privilégios à Globo, a única coisa que prestou em sua gestão.

Por isso, enquanto Ricardo Teixeira for o presidente da CBF, nada vai acontecer. E ele será, enquanto quiser. A não ser que…

A não ser que as pesoas de bem que militam no futebol reajam.

É preciso que as pessoas de bem que militam no futebol se manifestem. Assim: Felipão é chamado para a seleção; não aceita, e diz porquê. Leonardo, o do Milan, idem: convoca uma coletiva e diz que não quer, porque não pode servir a alguém como Ricardo Teixeira. Mano Menezes é convocado: responde que não pelo Twitter, para todo mundo saber que não tem a menor intenção de ser funcionário de uma empresa que administra contratos e não liga para futebol.

E jogadores poderiam recusar convocações, e torcedores poderiam se recusar a comprar camisetas amarelas, e as emissoras de TV poderiam se recusar a transmitir os jogos do time da CBF, e aí o Ricardo Teixeira iria à falência, ou entregaria o cargo.

E aí o governo federal poderia baixar uma norma através de seu Ministério de Esportes proibindo qualquer confederação esportiva de ter presidentes que permaneçam no cargo por mais de duas gestões, algo fácil de se fazer, para que o futebol, quem sabe, caia nas mãos de gente boa, honesta, respeitada.

Para que um dia, quem sabe, a CBF possa ser presidida pelo Zico, ou pelo Sócrates, ou pelo Raí, ou pelo Rogério Ceni, ou pelo Marcos, ou pelo Paulo Autuori, ou pelo Mano Menezes, ou pelo Tostão, ou pelo Xico Sá, por gente que vive ou viveu do e no futebol, e não por alguém como Ricardo Teixeira, que só está lá há 21 anos porque era genro de João Havelange, outro elemento que adora o poder eterno, para que a seleção brasileira volte a ser formada por jogadores do Flamengo, do Corinthians, do Palmeiras, do Galo, do Inter, do São Paulo, do Santos, do Fluminense, para que a seleção brasileira use camisetas da Penalty ou da Lupo, jogue no Maracanã, no Morumbi, no Beira-Rio, no Couto Pereira, no Mineirão, e não em Londres, para onde não posso ir com tanta frequência assim.

Autor: Flavio Gomes

http://colunistas.ig.com.br/copa2010flaviogomes/2010/07/05/derrubem-o-pr…

FHC tem mais um filho escondido, trabalha no Senado como trabalhador braçal e a mãe como copeira.

5 de julho de 2010

sugado do blog do mello

http://blogdomello.blogspot.com/2010/06/fhc-e-marx-nao-o-groucho-mas-o-karl-tem.html

FHC e Marx (não o Groucho, mas o Karl) têm uma coisa em comum, segundo o jornalista Hélio Fernandes

Em sua coluna na Tribuna da Imprensa, o jornalista Hélio Fernandes escreve:

Filho de FHC no Senado

Essa que o TCU está examinando, é verdadeira. O ex-presidente tem um filho morando há 16 anos na Espanha, para que FHC pudesse ser presidente tranqüilo. (Créditos para a TV Globo).
FHC tem outro filho, do relacionamento com uma doméstica, fato que só este repórter noticiou na época. (Dona Ruth desconfiou, demitiu-a). Hoje, mãe e o filho trabalham no Senado, ela como copeira do gabinete de um parlamentar e ele como empregado subalterno na gráfica, ambos com salários miseráveis.
Filho com uma empregada doméstica, foi a forma triunfal que FHC encontrou para se comparar com Marx. Só que a filha de Marx foi cuidadosamente criada e educada por Engels, grande amigo de Marx. Que amigo faria isso por FHC?

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Como a Folha manipula a amostra para ajudar o Serra

4 de julho de 2010

sugado do conversa afiada

http://www.conversaafiada.com.br/politica/2010/07/02/como-a-folha-manipula-a-amostra-para-ajudar-o-serra/

Conversa Afiada republica e-mail de amigo navegante que entende de estatística:

Problemas com a pesquisa

Para a avaliação dos resultados:

Problema 1: a amostra é URBANA, não vai ao RURAL

A amostra por fluxo de ponto (fluxo de pessoas nas ruas) somente vai ao URBANO (85% do país), não vai ao RURAL (15% do país), onde Lula e Dilma Rousseff apresentam percentuais ainda maiores de aprovação. Não há cruzamentos das intenções de voto por URBANO e RURAL.

Problema 2: amostra telefônica

A amostra coletada equivale a uma AMOSTRA TELEFÔNICA do país. Na entrevista coleta-se, necessariamente, o nome e o telefone do entrevistado para checagem. Os últimos dados do IBGE mostram que somente 44,4% dos domicílios têm telefone fixo, e somente 75,5% dos domicílios têm usuários de celular. É uma amostra dos mais ricos.

Problema 3: a amostra tem a ESCOLARIDADE errada

A amostra é somente calculada para SEXO e IDADE, com desvios na ESCOLARIDADE coletada. Na última pesquisa, o ENSINO FUNDAMENTAL aparece com 47,6%, enquanto pelos dados do IBGE é de 55,2%. A amostra privilegia o voto de maior escolaridade.

Problema 4: nomes dos candidatos são apresentados sem os partidos

Os nomes dos candidatos aparecem sem os nomes dos partidos. Como Dilma Rousseff é menos conhecida como a candidata de Lula e do PT, a pesquisa induz os resultados para José Serra, diminuindo as intenções de voto em Dilma Rousseff.

http://www.datafolha.com.br
http://www.tse.gov.br

Serra transforma a escolha em processo de autofagia cibernética

1 de julho de 2010
São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2010
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OPINIÃO

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0107201017.htm
JOSIAS DE SOUZA
DE BRASÍLIA

O político profissional não tem medo do escuro. Receia mesmo é a claridade. José Serra subverteu a ordem.
Envolto em atmosfera de volúpia e traição, o presidenciável tucano converteu a escolha de seu vice num striptease autofágico.
Atônita, a plateia descobriu no imenso telhado de vidro da coligação pró-Serra um inusitado posto de observação.
Até a semana passada, a situação era a seguinte: metade do DEM estava nervosa porque Serra dizia que não tinha um vice e o aliado achava que ele estava mentindo.
A outra metade do DEM estava nervosa porque Serra dizia que não tinha escolhido o vice e imaginava-se que ele não tinha mesmo um nome.
E Serra estava nervoso porque não sabia se dizia que tinha o vice que ainda não escolhera ou se escolhia o vice e não dizia. E vice-versa.
Súbito, o nome do tucano Álvaro Dias veio à luz do modo mais inusitado: uma nota no microblog do presidente do PTB, o deputado cassado Roberto Jefferson (RJ).

CORNO CIBERNÉTICO
Súbito, o DEM, aliado de todas as horas, tornou-se, por assim dizer, um corno cibernético. Reagiu à impudência com alarde.
Com a alcova sob holofotes, Serra portou-se com inocência inaudita. Imaginou que o DEM aceitaria o papel de mulher traída que evita um rompimento em nome da integridade da família.
Esqueceu-se de que lidava com uma sigla que assumiu o poder logo após as caravelas de Pedro Álvares Cabral aportarem em Porto Seguro.
Lançado à oposição por Lula, o DEM (ex-Arena, ex-Frente Liberal e ex-PFL) perdeu prestígio e votos. Mas manteve relativa unidade.
Comparado ao PSDB, uma agremiação de amigos integralmente composta de inimigos, o DEM é um partido razoavelmente coerente.
Suas posições costumam ser conhecidas antes que os filiados levantem o braço numa convenção como a que se realizou ontem, em Brasília.
O DEM avisara há dois meses: sem Aécio Neves, o vice de Serra deveria ser preferencialmente de seus quadros.
Dono de estilo “indiocentrista”, Serra imaginou-se capaz de trafegar pela selva de sua coligação com distanciamento de antropólogo.
No Big Brother do tucanato, os morubixabas do DEM levaram Serra não ao paredão, mas ao caldeirão. Obrigaram-no a regurgitar Álvaro Dias e atravessaram-lhe Indio da Costa na traqueia.
De erro em erro, Serra virou uma espécie de bispo Sardinha da era da internet. Em autofagia pública, foi mastigado pelos caetés do DEM à luz do twitter.